Tuesday, September 13, 2011

HISTÓRIA DA ÁFRICA

O Escriba Valdemir Mota de Menezes leu o texto abaixo do Anderson Ribeiro Oliva e achou-o oportuno em tratar o assunto do estudo da História da África, já que este tema, agora por força de Lei deve ser ensinado nas escolas do Brasil.


-----------------------------------------------------------



Anderson Ribeiro Oliva
Resumo
A aprovação da lei 10639/03, que tornou obrigatório o ensino da
História da África e dos afrodescendentes, gerou nos meios escolares e
acadêmicos algumas inquietações e muitas dúvidas. Como ensinar o que
não se conhece? Para além das interrogações, a lei revela algo que os especialistas
em História da África vêm alertando há certo tempo: “esquecemos”
de estudar o Continente africano. A partir dessas constatações, o
presente artigo tem como objetivo maior analisar a forma como aHistória
da África e os africanos foram representados em um dos poucos livros
didáticos de História elaborados no país que abordam a África com um
capítulo específico. As muitas críticas e curtos elogios devem ser entendidos
não como desconsideração ao trabalho do autor, mas como um
alerta: devemos voltar nossos olhares para a África, pela sua relevância
incontestável como palco das ações humanas e pelas profundas relações
que guardamos com aquele Continente por meio do mundo chamado
Atlântico.
Palavras-chave
historiografia africana; africanos.
: História da África; representações; ensino da História;
Abstract
African History at school. Representations and imprecision in the
didactics literature
The approval of the 10639/03 law, which made compulsory the
teaching of African and African-descendants history, has brought some
Estudos Afro-Asiáticos
uneasiness and many questions to the academic sphere. How is it
possible to teach something we do not know? Besides this questioning,
the law comes up with something that African history specialists have
been warning us for a long time: we “forgot” to study the African
continent. Beginning from these facts, the article’s objective is to
analyze how the African history and the Africans have been represented
in the very few history books, made in Brazil, in which the African theme
is brought up in a specific chapter. The many critics and short
complements towards these books, should not be interpreted as lack of
consideration to the authors’ work, but as an alert: we have to turn our
attention to Africa, considering its unquestionable relevance as a stage
to human actions and because of the deep relations we have with that
continent through the Atlantic.
, Ano 25, no 3, 2003, pp. 421-461
Keywords
historiography, Africans.
: African History, representations, history teaching, African
Résumé
L’histoire de l’Afrique sur les bans de l’école. Représentations et
inprecisions dans la littérature didactique
L’adoption de la loi 10639/03, qui a rendu obligatoire
l’enseignement de l’Histoire de l’Afrique et des afro-descendants, a suscité
quelques inquiétudes dans les milieux scolaires et académiques ainsi
que bien de doutes. Comment enseigner ce que l’on ne connaît pas ? En
plus de toutes ces interrogations, la loi révèle quelque chose dont les spécialistes
enHistoire de l’Afrique se soucient depuis un certain temps : on
a simplement “oublié” d’étudier le continent africain. C’est à partir de
ces constatations que cet article a pour objectif majeur d’étudier comment
l’Histoire de l’Afrique et les Africains ont été représentés dans l’un
des seuls livres didactiques d’Histoire fait au Brésil et qui aborde
l’Afrique dans un chapitre spécifique. Toutes les critiques et les brefs éloges
doivent être compris comme une mise en garde plutôt que comme un
manque de respect pour le travail de l’auteur. En effet, on doit regarder
l’Afrique à cause de son importance majeure comme une scène pour des
actions humaines et aussi à cause des rapports intenses que l’on garde
avec ce continent, à travers ce que l’on nomme le monde Atlantique.
Mots-clés
l’Histoire de l’Afrique, historiographie africaine, Africains.
: Histoire de l’Afrique, représentations, enseignement de
Anderson RibeiroOliva
422
N
já que as mesmas exigem respostas diretas. E efetivamente
esta não é uma qualidade que carrego. Porém, neste momento, é
difícil encontrar outra forma de chamar a atenção do leitor, provavelmente
professor de História. Por isso vamos a ela: “O que sabemos
sobre a África?”
Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e
na substância de conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta
seja proferida. Acredito, no entanto, que o silêncio ou as
lembranças e imagens marcadas por estereótipos preconceituosos
vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a
tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de
nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas?
Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos
de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando
as breves incursões pelos programas do
ão costumo iniciar minhas reflexões com perguntas diretas,National Geographic
ou
mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que
esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos
safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos
por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui.
O ofício de historiador ou de professor—não consigo percebê-
los tão separados—habilita-nos à compreensão e análise da
humanidade em sua trajetória no tempo. Isto não pode ocorrer
apenas por adoração às pesquisas ou ao poder de contar histórias.
Voltar ao passado apenas por erudição ou curiosidade não é a nossa
tarefa. O passado comunica o presente, o presente dialoga com o
passado. Só assim nossa árdua função se recobre de significados e
de sentidos. Desconfio que os alunos também pensem assim. Se a
História da África, como um campo do pensamento humano, se
justifica por si só, no nosso caso, a responsabilidade adquire um
duplo peso.
Primeiro: temos que reconhecer a relevância de estudar a
História da África, independente de qualquer outra motivação.
Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um
423
Não é assim que fazemos com a Mesopotâmia, a Grécia, a Roma
ou ainda a Reforma Religiosa e as Revoluções Liberais? Muitos
irão reagir à minha afirmação, dizendo que o estudo dos citados assuntos
muito explica nossas realidades ou alguns momentos de
nossa História. Nada a discordar. Agora, e a África, não nos explica?
Não somos (brasileiros) frutos do encontro ou desencontro de
diversos grupos étnicos ameríndios, europeus e africanos? Aí está a
dupla responsabilidade. A História da África e a História do Brasil
estão mais próximas do que alguns gostariam. Se nos desdobramos
para pesquisar e ensinar tantos conteúdos, em um esforço de, algumas
vezes, apenas noticiar o passado, por que não dedicarmos um
espaço efetivo para a África em nossos programas ou projetos. Os
africanos não foram criados por autogênese nos navios negreiros e
nem se limitam em África à simplista e difundida divisão de bantos
ou sudaneses. Devemos conhecer a África para, não apenas dar notícias
aos alunos, mas internalizá-la neles. Para isso devemos saber
responder, com boa argüição, a pergunta inicial do texto. Porém,
chega de defesas ou apologias de uma História, e nos concentremos
nas “coisas sérias”.
A História da África nos bancos escolares
Se o ensino de História no Brasil
transformação nos últimos vinte anos, a mesma parece não ter
atingindo de forma significativa o estudo daHistória da África. Da
criação da primeira cátedra deHistória no país, em 1838, no Colégio
Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da
disciplina foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico
em uso. Porém, os anos 1980 e 1990 reservaram um espaço fecundo
e estimulante para a (re)significação de sua existência. Estabeleceu-
se um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos setores
interessados em repensar a abordagem daHistória em sala de aula.
Outras perspectivas teóricas—Marxismo eHistóriaNova—passaram
a inundar os livros didáticos, levando à incorporação de
abordagens econômicas estruturais e temáticas dos conteúdos tratados
ou determinados pelos currículos.
Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura
militar tinham que se contentar, ou aturar, umaHistória de
influência positivista recheada por memorizações de datas, nomes
de heróis, listas intermináveis de presidentes e personagens. Sem
contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraen-
1 passou por uma profunda
Anderson RibeiroOliva
424
te, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de
seus governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos
eram apresentados com pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam
brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos tratados.
O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez
acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos
na tentativa de modificar o ensino da história.
Como ressonância dos debates que circulavam nas universidades
desde os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia
para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os
livros didáticos. Porém, a dose de mudanças foi muitas vezes ortodoxa,
limitando a história a modelos vulgares das análises marxistas
e a complexas estruturas e sistemas econômicos. Outras vezes
foi inócua, atingindo de forma bastante limitada a docentes e alunos.
Para alguns, cristalizou-se como única proposta a ser seguida,
fugir dela era renunciar ao papel de formador de consciências críticas
e esclarecidas. Para outros, a troca de perspectiva teórica não se
fez acompanhar da qualificação docente e do material utilizado em
sala de aula. É essa perspectiva teórica, com seus avanços e obstáculos
que, até o final dos anos 1990, foi, se não hegemônica, majoritária
no ensino da disciplina.
Nessa mesma década—como reflexo das mudanças teóricas
que inundavam os cursos de História, a partir os ventos soprados
pela historiografia francesa—percebeu-se que, se a reestruturação
escolar tinha sido frutífera, era ainda inadequada. Apesar da experiência
paulista
uma presença mais marcante dos referenciais da História
Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História
temática. Não se pode negar os efeitos positivos dessas influências.
Uma série de atividades pedagógicas,
diversificadas da História, associadas à escrita de novos manuais
e reedições dos que já circulavam por algum tempo, informavam
os novos rumos tomados pelo ensino da disciplina. Porém,
e apesar dos esforços, existem lacunas e problemas de certa relevância
no debate que se montou acerca da adoção do ensino temático
no Brasil. A formação de alguns centros de Pós-Graduação,
2 dos anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos3 envolvendo abordagens4
especializados no ensino de História, e de núcleos de pesquisa,
5
além da promoção de congressos e encontros nacionais revelam a
preocupação com as mudanças acerca do assunto. Fica evidente
também, ainda hoje, por motivos conjunturais maiores, o descontentamento
de boa parte dos alunos e docentes pela forma como
AHistória da África nos bancos escolares...
425
ainda é ministrada a disciplina História nas escolas. Porém este é
um outro problema.
A partir deste quadro, de certa forma crítico, mas estimulante
para aqueles que defendem mudanças ainda maiores para aHistória
ensinada, percebemos um outro desencontro. Em artigos
publicados recentemente, em duas qualificadas coletâneas (ver
Abreu, 2003, Karnal, 2003; Bittencourt, 1997b), vários pensadores
fizeram incursões reflexivas sobre o atual momento do ensino
de História e das inovadoras e, de certa forma, problemáticas
propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Entre
as discussões levantadas, uma chamou-nos a atenção: o debate
acerca do combate à discriminação racial e do ensino da História
da África.
Oartigo deHebeMariaMattos,
contra a discriminação racial no Brasil,
parte. Mesmo guardando idéias gerais, ainda que elucidativas, a
autora demonstra sensibilidade e iniciativa ao levar para um palco
de discussões maior um assunto lembrado por poucos: o ensino da
História da África. Mattos alerta para a necessidade de um redimensionamento
teórico e espacial sobre a questão. Se existia uma
tendência dos estudos anteriores de olhar o negro no Brasil, a
proposta da autora, influenciada pelas reflexões do britânico Paul
Gilroy, é de perceber a África, os africanos, e a identidade negra do
país dentro de um contexto histórico mais abrangente: o Mundo
Atlântico.
OEnsino deHistória e a lutamerece uma referência à
Quando se rompe com uma perspectiva essencializada das relações entre
identidade e cultura, decorre que qualquer abordagem sobre as ambigüidades
da identidade negra no Brasil se torna indissociável do entendimento
da experiência da escravidão moderna e de sua herança racializada
espalhada pelo Atlântico [...]. Gilroy aborda este processo [a afirmação
de novas identidades negras] como construção política e histórica
fundada em diferentes trocas culturais (africanas, americanas e européias)
através do Atlântico, desde o tráfico negreiro, na qual a questão das
origens interessa menos que as experiências de fazer face à discriminação
através da construção identitária e da inovação cultural. (Mattos, 2003:
129-130)
Outra fundamental questão abordada pela historiadora é a
negligência com a qual se trata aHistória da África nas universidades
e as conseqüências de tal fato no ensino.
Ainda mais grave, há alguns conteúdos fundamentais propostos nos novos
PCNs—especialmente a ênfase na história da África—que, infelizmente,
ainda engatinham como área de discussão e pesquisa nas nossas
Anderson RibeiroOliva
426
universidades, impondo-se como limite ainda maior ao esforço pedagógico
que pode ser feito para uma abordagem que rompa com o europocentrismo
que ainda estrutura os programas de ensino das escolas. (
131)
ibidem:
As últimas páginas de seu artigo são dedicadas à análise de
como a História da África foi trabalhada em um dos novos livros
didáticos utilizados no país (ver Montellato, 2000). O ponto de
destaque é que o volume analisado, voltado para a 6ª série do Ensino
Fundamental, utiliza uma proposta de abordagem temática da
História. A autora passa a dialogar com o livro procurando salientar
seus avanços e tropeços, que parecerem ser em maior número.
Por exemplo, no capítulo que trata da Expansão Marítima Européia
dos séculos XV e XVI, a “África aparece apenas como uma sucessão
de pontos geográficos a serem ultrapassados”. Na unidade
seguinte, que estuda o “desencontro entre culturas” Mattos se incomoda
que
não haja nem uma palavra sequer sobre África, africanos ou os diversos
povos daquele continente e de como participaram destes desencontros.
Eles entram em cena na terceira unidade, para caracterizar “a construção
da sociedade colonial”, basicamente como força de trabalho.
Em outros momentos, como no debate sobre a escravidão,
os autores do livro reproduzem versões tradicionais da historiografia
brasileira, ao naturalizarem a escravidão por “ela”, de alguma
forma, já existir em África. A África pré-colonial só irá aparecer na
última unidade, porém, Mattos não realiza nenhum comentário
mais específico sobre o assunto. Por fim, a autora conclui que
a tendência de conjunto [...] é o lugar encapsulado (como uma simples
questão de mão-de-obra) e naturalizado (negro = africano = escravo) da
questão negra no ensino da história do Brasil.Qualquer trabalho com livros
didáticos anteriores aos PCNs apenas reforçaria esta tendência [...].
(
ibidem:132-134).
Cabe ressaltar que este trabalho da autora não é especificamente
sobre o ensino da História da África, mesmo que o aborde
ao longo do texto, e nem ela é uma africanista. Talvez isso revele a
pouca profundidade ao analisar a abordagem da África anterior ao
século XIX, presente no manual. De qualquer forma, sua contribuição
deve ser destacada, já que foi uma das poucas vozes entre os
historiadores a publicar algum material sobre o tema. Suas conclusões
gerais também demonstram sua preocupação com a formação
AHistória da África nos bancos escolares...
427
dos professores. Mesmo que timidamente, aponta algumas alternativas.
Desenvolver condições para uma abordagem da história da África no
mesmo nível de profundidade com que se estuda a história européia e
suas influências sobre o continente americano. Já começaram a estar disponíveis
em língua portuguesa alguns títulos que tornam esta tarefa relativamente
viável, para além dos dois volumes monumentais sobre história
da África pré-colonial, de Alberto da Costa e Silva. Ensinar história
da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper com a estrutura
eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira.
(
ibidem:135).
No que concerne ao estudo da História da África, não podemos
ignorar o fato de que após o processo de libertação africano,
ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente até os
anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa —
significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente,
tanto por africanistas como por historiadores dos países recémformados
(Difuila, 1995). Porém, devido a problemas internos e
ao descaso externo, esses países—falamos especialmente dos países
africanos de língua portuguesa
em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por
seus pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado
por um novo perfil das pesquisas, até então realizadas sob a tutela
do olhar colonialista. Já na América, concentraram-se, principalmente
nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores esforços de
entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros
de estudos montados.Mesmo assim, se comparados com estudos
realizados sobre outras temáticas, ainda são esforços pálidos.
Enfim, o momento é propício ao debate da questão, já que o
atual governo, na época com poucos dias de existência, sancionou
uma lei
afro-brasileiros e da África em escolas do Ensino Fundamental e
Médio.Medida justa e tardia, e ao mesmo tempo difícil de ser implementada.
Isso por um motivo prático: muitos professores formados
ou em formação, com algumas exceções, nunca tiveram,
em suas graduações, contato com disciplinas específicas sobre a
História da África. Soma-se a esse relevante fator a constatação de
que a grande maioria dos livros didáticos deHistória utilizada nesses
níveis de ensino não reserva para a África espaço adequado,
pouco atentando para a produção historiográfica sobre o Continente.
Os alunos passam assim, a construir apenas estereótipos so-
6 —, tiveram alguma dificuldade7 tornando obrigatório o ensino da História dos
Anderson RibeiroOliva
428
bre a África e suas populações. Portanto, seria justo perguntar:
como a História da África é ensinada em nossas escolas?
Para responder a tal questão faremos um breve exercício. Na
realidade, é uma espécie de teatro experimental de uma pesquisa
maior, que desenvolvo em tese de doutorado na linha de pesquisa
Comércio e Transculturação no Mundo Atlântico, do Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília. Em
meu projeto tenciono fazer o seguinte percurso: analisar a forma
como os livros didáticos de História — produzidos a partir de
1995—utilizados nas escolas brasileiras, portuguesas, angolanas
e cabo-verdianas representaram(am) por meio de imagens e textos
escritos os africanos, e qual o papel reservado à História da África
em meio às temáticas e conteúdos abordados.
Neste caso, farei aqui um breve, mas fundamental, teste.
Nesta primeira parte do artigo tivemos a preocupação de alertar,
assim como outros já o fizeram, para as graves lacunas existentes na
formação acadêmica e no ensino sobre a História da África. Na segunda
parte apresentaremos a trajetória das leituras realizadas sobre
os africanos e que revelam as representações construídas ao
longo do tempo acerca da África. E por fim, em um terceiro momento
realizaremos um estudo de caso. Ao analisarmos um dos
poucos livros didáticos (Schmidt, 1999) que abordam a História
da África pré-colonial com um capítulo específico, intentamos
iniciar uma leitura crítica sobre os acertos e desacertos da abordagem
efetuada sobre a levantada temática nos manuais. Esperamos
que seja uma iniciativa válida.




Os africanos sob os olhares ocidentais e notícias da
historiografia sobre a África
Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas.
Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História
da África nas coleções didáticas deHistória no Brasil. Das vinte
coleções compulsadas pela pesquisa, apenas cinco possuíam capítulos
específicos sobre a História da África.
África aparece apenas como um figurante que passa despercebido
em cena, sendo mencionada como um apêndice misterioso e pouco
interessante de outras temáticas. Tornou-se evidente também
que, quando o silêncio é quebrado, a formação inadequada e a bibliografia
limitada criam obstáculos significativos para uma leitura
menos imprecisa e distorcida sobre a questão. Percebemos, en-
8 Nas outras obras, a
AHistória da África nos bancos escolares...
429
tão, que a tarefa de análise de manuais didáticos exigiria não apenas
um conhecimento considerável acerca da História e da historiografia
africanas. Seria preciso fazer uso de outro suporte de análise,
que permitisse o entendimento de como esses livros influenciaram
a construção das distorções e simplificações elaboradas sobre a
África e apropriadas por milhares de alunos e professores naquele
Continente, no Brasil e em Portugal.
Se o objetivo aqui é analisar a forma como os africanos e a
História da África foram representados na literatura didática de
História, torna-se indispensável fazermos uma incursão por alguns
dos trabalhos que tentaram esclarecer como o imaginário ocidental
sobre a África e os africanos foi gestado. É claro que as contribuições
vão além dos conceitos que serão discutidos, passando
pelo entendimento das relações sistêmicas maiores. No entanto,
construir instrumentos de pesquisa e reflexão mais apurados apresentam-
se como tarefas obrigatórias. Para isso, retornaremos às citadas
reflexões traçando uma breve trajetória das representações
elaboradas sobre os africanos, articulando-a aos caminhos seguidos
pela historiografia africana.
Visões sobre a África
Em recente viagem à África,
da Silva demonstrou a intenção do Estado brasileiro, pelo menos
de forma simbólica, de quebrar o silêncio de algumas décadas nas
relações econômicas e diplomáticas mais vantajosas entre as duas
margens do Atlântico. Deixando de lado as perspectivas figurativas
do
Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul — o presidente,
em seus improvisados, e, portanto, mais reveladores discursos, cometeu
o que foi para alguns uma gafe, para outros uma dura ofensa
à África. Ao fazer comentários sobre a limpeza e organização de
Windhoek, capital da Namíbia, Lula evidenciou as imagens que
incorporamos e perpetuamos sobre o Continente. Não tiremos as
palavras do presidente, sua íntegra nos ajuda à reflexão sobre nosso
imaginário acerca da África e dos africanos.
9 o presidente Luiz Inácio Lulatour pela região sul do Continente—São Tomé e Príncipe,
Estou surpreso porque quem chega aWindhoek [capital daNamíbia], não
parece estar num país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas,
tão bonitas arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como
tem essa cidade [...]. A visão que se tem do Brasil e da América do Sul é de
que somos todos índios e pobres. A visão que se tem da África é de que
também é um continente só de pobre (
Correio Braziliense, 2003: 2).
Anderson RibeiroOliva
430
Não iremos crucificar o presidente como outros fizeram.
Não que concordemos com tal disparate conclusivo, até porque,
tendo oportunidade de se corrigir nos dias seguintes, Lula afirmou
que apenas constatou o óbvio. Porém, é muito mais enriquecedor
analisar os pensamentos do nosso chefe de Estado por uma outra
dimensão. Independente de Lula ter formação superior ou não, ser
presidente ou cidadão comum, nordestino ou gaúcho, pobre ou
rico, sua postura de admiração com uma “cidade limpa” na África é
surpreendentemente comum. Para ser mais claro: excluindo um
seleto grupo de intelectuais e pesquisadores, uma parcela dos afrodescendentes
e pessoas iluminadas pelas noções do relativismo
cultural, nós, brasileiros, tratamos a África de forma preconceituosa.
Reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam
pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias,
guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica.
Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação,
os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa
de estudos sobre o Continente e a discriminação à
qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro. A África não
poderia ter, fazendo uma breve inversão do olhar presidencial, ruas
limpas, um povo extraordinário e bela arquitetura. Seguindo esse
raciocínio, a viagem não poderia ter outra dimensão do que a econômica,
e o Brasil não poderia ter outra postura do que a de ajuda
humanitária à África, já que, por sermos tão melhores do que eles,
seria ilógico esperar algo de lá.





Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as
interpretações racistas e discriminatórias elaboradas sobre a África
e incorporadas pelos brasileiros são resultado do casamento de
ações e pensamentos do passado e do presente. Neste caso, percebe-
se que as representações deturpadas sobre o Continente africano
não são uma exclusividade brasileira dos dias do presidente
Lula. As distorções, simplificações e generalizações de sua história
e de suas populações são comuns a várias partes e tempos do mundo
ocidental. Dessa forma, se continuarmos a reproduzir leituras e
falas como a citada, é muito provável que o imaginário de nossas
futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas.
Alguns autores
compreensão dos olhares estrangeiros que percorreram o Continente
africano. O historiador português José da Silva Horta
(1995, 1991) em dois excelentes trabalhos, refletiu sobre os possíveis
limitadores e influenciadores das leituras européias realizadas
10 já tinham alertado sobre as dificuldades de
AHistória da África nos bancos escolares...
431
em África, leituras essas que incorporamos durante o período colonial
e que foram reforçadas ao longo dos séculos seguintes. Horta
defende a idéia, comungada por outros autores, de que os textos
sobre os africanos—escritos ou imagéticos —, presentes nas mais
diversas obras ao longo do tempo, não passam de
representações,11
ou seja, são (re)construções do real. É certo que esses textos foram
escritos (pintados) a partir de uma série de referências ou categorias
culturais daqueles que estiveram em África ou procuram interpretar
as notícias que lá chegavam.




Ao lermos os textos europeus que retratam o Africano (o mesmo sucede,
aliás, se interpretarmos ícones), mesmo os mais descritivos, temos de
partir sempre do princípio de que estamos perante representações, o que
é dizer, perante (re)construções do real. [...] Essa construção faz-se de
acordo com as categorias culturais e mentais de quem viu, ou (e) de
quem escreve [...]. A representação é, aqui, a tradução mental de uma realidade
exterior que se percepcionou e que vai ser evocada—oralmente,
por escrito, por um ícone — estando ausente. (Horta, 1995: 189)
Evidencia-se dessa relação — observado/observador — um
jogo não só de dominação e resistência, mas também de dificuldade
de explicar e reconhecer a alteridade. Ao mesmo tempo, fica claro
que as relações sociais, intelectuais e culturais só se concretizam
quando ocorre entendimento. E para entendermos algo, quase
sempre, fazemos uso de nossa cosmovisão e estrutura de explicação
do universo, emprestando significados ao que está sendo observado
ou apresentado (
são construídas em nosso imaginário não de forma passiva. Quase
sempre incorporamos outras definições e conceitos de forma consciente,
e mesmo que adotemos determinada postura menos irrefletida,
ela pode ser alterada a qualquer momento, dependendo dos
reflexos que nos chegam e de nossas intenções.
ibidem:190). Sabemos que as representações
A representação, enquanto tradução mental de uma realidade exterior
percepcionada, implica um processo de abstração que passa pelo gerir—
mais ou menos inconsciente — das classificações disponíveis no
cultural
subjazem cristalizam-se assim em categorias, lugares-comuns e estereótipos,
que organizam a cada momento as representações, das quais são
como que a linguagem, o código de referência permanente. (
209)
stockpara tornar inteligível e avaliar essa realidade.Os valores que lheibidem:
Compete aqui lembrar que esse processo não ocorreu em
uma via de mão única—europeus/africanos. Os africanos eviden-
Anderson RibeiroOliva
432
temente elaboraram suas interpretações e significações para o que
vivenciavam ao entrar em contato com os europeus.
Em suma: as representações recíprocas são uma dimensão essencial do
encontro de Europeus e Africanos, de uma história em comum. Práticas
e representações constituem um binômio indissociável. As últimas têm,
portanto, um papel coadjuvante na explicação da natureza do relacionamento
entabulado entre duas partes que se observam e que interagem.
[...] Trata-se de uma convergência natural e necessária em todos os fenômenos
resultantes do encontro ou confronto de culturas [...] (
191).
ibidem:
Seria plausível afirmar que os olhares sobre oOutro estariam
impregnados do “estranhamento”, da dificuldade de emprestar
significados e aceitar as diferenças. Ao mesmo tempo, tal relação é
fundamental para a afirmação/reelaboração da própria identidade.
Nesse movimento os europeus emprestaram, quase sempre,
um aspecto de inferioridade aos povos da região. De certa forma,
também teriam sido os contatos com os europeus que fizeram os
africanos perceberem ou serem “obrigados” a aceitar que entre eles
existiam elementos de proximidae e de identidade.
Opsiquiatra negro Frantz Fanon,
psicológicos do processo de dominação européia na África, afirmava
que “o negro nunca foi tão negro quando a partir do momento
em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo
africano Kwame Appiah confirma a idéia de que “a própria
categoria do negro é, no fundo, um produto europeu, pois os
‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominá-los” (Appiah,
1997:96).
Percebe-se, portanto, que a troca de olhares sobre o outro e
sobre a própria identidade é um instrumento dinâmico, em constante
resignificação e com múltiplas variáveis. Neste caso, atentemos
para as visões européias sobre os africanos.
Desde da Antigüidade, os escritos de viajantes, historiadores
ou geógrafos, como Heródoto (séc. V a.C.) e Cláudio Ptolomeu
(séc. II), fazem referência à África de forma a demarcar as diferenças
e a representar, a partir dos filtros estrangeiros, o Continente e
suas gentes.
das leituras européias foram a cor da pele dos africanos, chamados
de etíopes, e as características geográficas da região, conhecida
por Etiópia. Essa própria forma de denominar a África conhecida,
que no período se limitava à área acima do Saara, utilizada
por gregos e romanos, levava em consideração um desses grandes
12 ao investigar os impactos13 Os elementos que parecem ter chamado mais a atenção
AHistória da África nos bancos escolares...
433
elementos de estranhamento, já que o termo grego
terra dos homens de pele negra (Difuila, 1995: 53).
Heródoto, em sua
acerca dos africanos, em um misto de estranhamento, admiração e
desqualificação. Em sua lógica descritiva ele afirmava que “os homens
daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes
da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos”
(Heródoto, 1988: 95, 361). A relação entre a cor e o clima, associada
à ênfase no tipo de cabelos revela o impacto que a diferença de
fenótipos entre os europeus e os africanos causava ao estrangeiro.
Além disso, afirmava o historiador que “o sêmem por eles ejaculado
quando se unem às mulheres também não é branco [...], e sim
negro como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmem dos etíopes)”
(
elogios aos etíopes, já que estes seriam “homens de elevada estatura
e muito belos e de uma longevidade excepcional”.Na descrição geográfica
da região o viajante grego acredita ser a Etiópia “a mais remota
das regiões habitadas; lá existe muito ouro e há enormes elefantes,
e todas as árvores são silvestres, e ébano (...)” (
185-6).
Porém, não só de curiosidade se constituem seus escritos.
Emoutros trechos fica evidente a inferioridade dos etíopes perante
os gregos e egípcios, já que estes eram bárbaros—sem civilização
— e identificados como trogloditas.
Aethiops, significaHistória, deixou registrada sua impressãoibidem: 182). Em seus comentários também encontramosibidem:
Esses soldados, estabelecendo-se na Etiópia, contribuíram para civilizar
os etíopes, ensinando-lhes os costumes egípcios (
Esses garamantes saem com seus carros de quatro cavalos à caça de trogloditas
etíopes, pois os trogloditas etíopes são os corredores mais rápidos
sobre os quais já ouvimos contar histórias. Esses trogloditas se alimentam
de serpentes, de lagartos e de répteis do mesmo gênero; eles não
falam uma linguagem parecida com qualquer outra, e emitem gritos
agudos como os dos morcegos (
ibidem: 98).ibidem: 250).
Ainda na Antigüidade, o geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu,
baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua
Geografia
contornos da África” (Djait, 1982: 119). A África não passaria da
região do Equador e o clima abaixo dele seria insuportável. Sua
cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos medievais.
No medievo, as imagens sobre os africanos foram completamente
tangidas pelo imaginário europeu. A teoria camita e a fusão
da cartografia de Cláudio Ptolomeu com cosmologia cristã rele-
a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos
Anderson RibeiroOliva
434
gam a África e os africanos às
piores regiões da Terra. Na
cartografia medieval, os mapas
seguem um padrão, sendo
a Terra um círculo com as
terras conhecidas — Europa,
Ásia e África—distribuídas
no centro em forma de
um T. Na realidade, o termo
mais usado para designar essas
representações era “mapas
TO”, de
Um exemplo desses
mapas é o de Psalter (1250),
ao lado (Noronha, 2000).
Outra idéia explica a “nomenclatura
TO: ela sugere o
Cristo crucificado (T) e o
oceano (O) que circunscreve todo o orbe” ou ainda o T como “representação
geométrica dos três mares”, o Mediterrâneo, o Helesponto
e o
1994: 24).
O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante
dos homens, e Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus
aos céus, no centro. A Europa, cuja população descendia de Jafet,
primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém
e a Ásia, local dos filhos de Sem, netos deNoé, à direita. Ao Sul
aparece “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes
eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé”
(Noronha, 2000: 681-689). Neste caso, mais uma vez o desprestígio
recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido
por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes deveriam
se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte
do território da Arábia, do Egito e da Etiópia.
Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos
com a África, abaixo do Saara, os estranhamentos e os olhares preconceituosos
continuam. No século XV, duas encíclicas papais—
a
Portugal de despojar e escravizar eternamente osMaometanos, pagãos
e povos pretos em geral” (Lopes, 1995: 22). Além disso, o
imaginário dos navegantes iria sobreviver, de forma diversa, nos
séculos seguintes. Os temores sobre oMar Oceano e a região abai-
Orbis Terrarum.mare indicum (Noronha, 2000: 681-689 e Kappler,Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de
AHistória da África nos bancos escolares...




435
xo do Equador iriam alimentar as elaborações e representações dos
europeus sobre os africanos. Monstros, terras inóspitas, seres humanos
deformados, imoralidades, regiões e hábitos demoníacos
iriam ser elementos constantes nas descrições de viajantes, aventureiros
e missionários.Emexcelente obra introdutória à História da
África, Mary Del Priore e Renato Venâncio, retrataram essas construções
mentais.
Acreditava-se, também, que a parte habitável da Etiópia era moradia de
seres monstruosos: “os homens de faces queimadas”. [...] A cor negra, associada
à escuridão e ao mal, remetia no inconsciente europeu, ao inferno
e às criaturas das sombras. O Diabo, nos tratados de demonologia,
nos contos moralistas e nas visões das feiticeiras perseguidas pela Inquisição,
era, coincidentemente, quase sempre negro (Del Priore e Venâncio,
2004: 56).
Para a maior parte dos autores, a descrição física da zona meridional africana
se associava à idéia de intolerância climática.No século XI, Vicente
de Beauvais, dominicano e leitor da real família de França, opunha o
Norte e o Sul para explicar que o primeiro era seco e frio e o segundo,
quente e úmido. Ao norte, os homens seriam sadios e belos; ao sul, frágeis,
doentes e feios. Por culpa do clima tórrido, seus corpos negros e moles
eram sujeitos a males como a gangrena, a epilepsia, as diarréias. Ao norte,
os corpos, isentos de doenças, teriam uma coloração rosada (
ibidem: 58).
Ao longo dos contatos estabelecidos nos tempos modernos
os preconceitos foram apenas se alternado. A ausência da fé cristã,
trocada em África por “cultos pagãos e fetichistas”, de Estados organizados
aos moldes dos europeus e o convívio com padrões urbanísticos,
estéticos e artísticos diversos fizeram com que as leituras
européias sobre a África pouco mudassem.
No século XIX, as crenças científicas, oriundas das concepções
do Darwinismo Social e do Determinismo Racial, alocaram
os africanos nos últimos degraus da evolução das “raças” humanas.
Infantis, primitivos, tribais, incapazes de aprender ou evoluir, os
africanos deveriam receber a benfazeja ajuda européia, por meio
das intervenções imperialistas no Continente. Neste mesmo período,
o pensamento histórico passa por (re)adequações, surgindo
uma espécie de história científica.
As perspectivas das reflexões historiográficas, do século XIX
até a década de 1960, espelham, em parte, os silêncios insuportáveis
que até pouco tempo se fizeram sobre a temática no Ocidente
e no Brasil, e explicam a manutenção das representações construídas
em relação aos africanos. Partindo da idéia de que a história é o
campo das ações — mentais e materiais — humanas no tempo, a
África é a região do mundo de mais longa historicidade. Berço da
Anderson RibeiroOliva








436
humanidade, esse Continente foi palco de diversificadas experiências
sociais e múltiplos fenômenos culturais. No entanto, o aparecimento
da “ciência histórica”, na Europa dos oitocentos, desconsiderou,
por meio de seus pressupostos, a história vivenciada naquele
Continente.
Nas leituras dos autores que abordaram a trajetória da historiografia
africana encontramos alguns elementos em comum na
identificação de como a África aparece nos escritos historiográficos
ocidentais e nos dos próprios africanos. A divisão/classificação
desses escritos, realizada pelo cientista social guineense Carlos Lopes,
servirá como guia de nossa incursão. Segundo Lopes, existiriam
três grupos nos quais poderiam ser localizadas, por afinidades
maiores, as diversas investigações ou “falas” realizadas sobre a África,
a partir do século XIX: a Corrente da Inferioridade Africana, a
Corrente da Superioridade Africana, e uma Nova Escola de estudos
africanos. Para uma melhor apreensão dessas interpretações, é
preciso lembrar que elas são herdeiras diretas de um imaginário
bastante distorcido acerca dos africanos.
Segundo os pensadores do século XIX, os povos africanos
subsaarianos encontravam-se imersos em um estado de quase absoluta
imobilidade, seriam sociedades sem história.No caso, é preciso
que se frise que aHistória, naquele momento, passara a se confundir
com dois elementos: as trajetórias nacionais—entendidas
como os inventários cronológicos dos principais fatos políticos
dos Estados europeus, quase sempre protagonizados por figuras
ilustres ou heróis; e com o movimento retilíneo e natural rumo ao
progresso tecnológico e civilizacional. Dessa forma, a idéia da
transformação, da busca constante pelo novo, pelo moderno, se
tornaria uma obsessão. Além disso, devido aos rigores metodológicos,
o passado somente poderia ser acessado com o uso dos documentos
escritos oficiais.
Observados de dentro dessa perspectiva histórica, os povos
africanos não possuíam papel de destaque na história da humanidade.
Primeiro pela ausência, em grande parte das sociedades abaixo
do Saara, de códigos escritos—havia a predominância da tradição
oral. E, segundo, por serem classificadas como sociedades tradicionais
14
15
como em uma bolha do tempo, o passado —, estando fadados a
um eterno imobilismo.
Os pesquisadores que abordam a construção da historiografia
africana utilizam exemplos, que hoje poderíamos chamar de
“clássicos”, para descrever este estado de
— quando a tradição aparece no sentido de preservar,coisas. O mais citado é a
AHistória da África nos bancos escolares...
437
categórica afirmação do filósofo alemão Friedrich Hegel, ainda na
primeira metade do séc. XIX, acerca da inexistência da História
em África, ou de sua insignificância para a humanidade.
A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos,
progressos a mostrar,movimentos históricos próprios dela.Quer isto dizer
que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático.
Aquilo que entendemos precisamente pela África é o espírito a-hstórico,
o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natural e
que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da história do
mundo. (Hegel, 1995: 174).
Apesar de Hegel não ter uma influência tão significativa assim
nos historiadores do período seguinte, parece que essa idéia
não ficou limitada aos oitocentos, influenciando trabalhos posteriores.
Manuel Difuila lembra que um dos primeiros estudiosos
das temáticas africanas, H. Schurz, comparou a “História das raças
da Europa à vitalidade de um belo dia de sol, e a das raças da África
a umpesadelo que logo se esquece ao acordar” (Difuila, 1995: 52).
Ainda nesta direção um renomado professor da Universidade de
Oxford, Sir Hugh Trevor-Hoper, demonstrou, em 1963, compartilhar
das idéias de seus companheiros anteriores.
Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada.
No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus
na África. O resto são trevas [...], e as trevas não constituem tema de história
[...] divertirmo-nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras
nos confins pitorescos do mundo, mas que não exercem nenhuma
influência em outras regiões”
16 (apud Fage, 1982: 49).
Para os historiadores do século XIX ou da virada para o XX, a
História da África—vivenciada ou contada—teria começado somente
no momento em que os europeus passaram a manter relações
com as populações do Continente. Não só pela ação de registrar
e relatar, feita por viajantes, administradores, missionários e
comerciantes do século XV ao XIX, mas principalmente pelas mudanças
introduzidas pelos europeus na África.
O filósofo africano Valentin Mudimbe chamou a atenção,
por exemplo, sobre as argumentações utilizadas pelos europeus
para explicar as origens da técnica estatuária usada pelos iorubás,
da arte do Benin e da arquitetura do Zimbabwe. Todos esses elementos
de destaque da cultura africana seriam frutos de interferências
de outras civilizações na África negra, e não criação africana
(Mudimbe: 1988, 45). Carlos Lopes apresenta outras pesquisas
neste estilo. A tendência seria, de alguma forma, preservar as afir-
Anderson RibeiroOliva
438
mações de que a África não possuiria história, e de que tudo lá encontrado
não passaria de uma cópia inferior ao produzido em outros
lugares.
Ao estudar os conhecimentos astronômicos dos Dogon nos anos 40, M.
Griaule e os seus discípulos ficaram fascinados com o nível de conhecimentos
existente. Recentemente, o conhecido astrônomo Carl Sagan, da
Universidade Cornell, decidiu avaliar esses mesmos conhecimentosDogon,
e concluiu que os “Dogon, em contrate com todas as sociedades
pré-científicas, sabiam que os planetas, incluindo a Terra, giram sobre si
próprios e à volta do Sol”... Como é que se pode explicar este extraordinário
conhecimento científico? Sagan não duvidou um segundo que
deve ter sido devido a um gaulês que atravessou aquelas paragens, e que
provavelmente estava mais avançado que a ciência da época (Lopes,
1995: 23).
Infere-se, portanto, que, há cinqüenta anos, investigar o
passado do Continente negro ainda era uma tarefa marcada por
um certo isolamento e pelo descaso. Mesmo que percebida como
inovadora, por alguns, a maioria dos historiadores a julgava desnecessária
ou inviável.
foi condenando por muitos deles ao esquecimento ou à inferioridade.
A mudança dessa perspectiva começou a ocorrer um pouco
antes das lutas pelas independências, nos anos 1950 e 1960, e se estenderia
até o final da década de 1970. De uma forma geral, pode-
se afirmar que, na segunda metade do século XX, aconteceu
uma espécie de revolução nos estudos sobre a África. As investigações
se diversificaram e ampliaram suas abordagens.
Em um primeiro momento, a fragmentação política do
Continente forçava a construção de histórias nacionais para cada
região “inventada” pelos europeus e reinventada pelos africanos.
De forma geral, a independência criou, por parte de uma nova elite
política e intelectual, a necessidade da elaboração das identidades
africanas dentro do Continente, e deste perante o mundo. Para
isso, era imprescindível retornar ao passado em busca de elementos
legitimadores da nova realidade e encontrar heróis fundadores
e feitos maravilhosos dos novos países africanos e da própria África.
Por essa visão, o Continente possuiria uma história tão rica e diversificada
quanto a européia.
Segundo o filósofo africano Kwame Appiah, era preciso ter
qualidades e forças em um mundo competitivo e em uma África
submersa em problemas dos mais diversos tipos. Para ele, entre esses
primeiros pensares pós-independência estaria o aparecimento
17 O Continente que deu vida ao próprio homem
AHistória da África nos bancos escolares...
439
de ideologias que defendiam e (re)significavam a identidade africana:
o pan-africanismo e a negritude. Ambas, com intensidades e
objetivos diferentes, buscavam enfatizar a existência de uma identidade
comum africana, que serviria como sinal distintivo e de
qualificação, muitas vezes apaixonada, dos africanos com relação
ao resto da humanidade (Appiah, 1997: 19-53). Essas correntes tiveram
uma grande influência nos estudos ali organizados até o final
dos anos 1970, e na própria articulação e crescimento dos movimentos
negros do outro lado do Atlântico.
Uma das principais gerações de pensadores desse grupo foi
a dos intelectuais liderados pelos africanos Joseph Ki-Zerbo e
Cheikh Anta Diop. A maior parte dos historiadores ligados a esse
movimento supervalorizou o argumento de que a África também
tinha sua história. Tal iniciativa fez com que Carlos Lopes chamasse
esse grupo de “Pirâmide Invertida”, ou Corrente da Superioridade
Africana. Para Lopes, não seria difícil entender ou justificar
este nome, já que eles estavam ligados à iniciativa de modificar as
leituras e visões sobre a África, procurando redimensionar sua história,
inclusive colocando-a como o ponto de partida para explicar
a História Ocidental (Lopes, 1995: 25-26).
As investigações deveriam, portanto, focar a África em sua
própria trajetória. As histórias dos reinos e civilizações africanas
foram utilizadas como exemplo da capacidade de organização,
transformação e produção africanas, que em nada ficava a dever
para os padrões europeus. Assim como os vestígios materiais deixados
do passado—técnicas de cultivo, padrões de estética da arte
estatuária, ruínas dos mais diversos matizes—foram usados para
evidenciar as qualidades do Continente. No entanto, os autores
que abordam o período são unânimes em afirmar que os esforços
dessa vertente
Um dos mais evidentes era a ação desproporcional de enaltecer as
características histórico-culturais da África. A imprecisão, aqui,
foi cometer o mesmo erro dos estudos europeus, só que agora não
utilizando o eurocentrismo, mas sim o afrocentrismo. Em alguns
estudos os africanos passaram a ser percebidos como meras vítimas
das ações externas, perdendo novamente o papel como agentes históricos
(




440
toriadores, competia a eles a trabalhosa tarefa de ampliar os estudos
sobre o Continente e integrar suas pesquisas às constantes inovações
da historiografia mundial (
Nesse período, ficou claro que as fontes escritas não eram tão
escassas para a África. Arquivos ultramarinos europeus, na própria
África, além das diversas fontes em árabe, facilitavam a investigação
sobre certos sistemas vigentes durante séculos na história da região.
Houve também uma sofisticação do uso de metodologias no
caso da tradição oral, assim como a aproximação com a Antropologia,
a Lingüística e a Arqueologia, que já ocorria há algum tempo,
acentuou-se.
Nos últimos anos, a historiografia africana passou a ser caracterizada
por estudos ligados às epidemias, ao cotidiano, às novas
tendências da economia e da ciência política, da importância
do regional, do gênero, da escravidão, da cultura política, das influências
da literatura e de uma quase incontável diversidade de temáticas
para investigação. Pesquisas realizadas por africanos e africanistas
têm procurado desvendar e explicar o Continente pelas
óticas sempre diversificadas das reflexões históricas. Estudos sobre
o passado remoto ou recente das regiões, do processo de formação
da África atual, do entendimento da diversidade de suas culturas e
povos, das releituras sobre os contatos com os europeus e sobre os
complexos problemas a que submerge hoje o Continente foram
alvo de uma quantidade avassaladora de investigações.
Encontros e publicações
para aqueles que se interessam pelo seu passado. Apesar dos
problemas, alguns inerentes à própria situação socioeconômica da
região, e às heranças e ranços historiográficos que ainda insistem
em destratar ou minimizar a relevância dos estudos históricos ali
desenvolvidos, as investigações aumentaram em termos quantitativos
e qualitativos.
De qualquer forma, e apesar dos esforços, seria precipitado
afirmar que as velhas representações sobre os africanos tenham desaparecido.
Talvez a viagem de Lula à África tenha sido um sinal
disso.
ibidem: 28).19 têm imprimido um ritmo estimulante
O livro didático de História entre representações
Se levarmos em consideração que a grande maioria dos autores
de livros didáticos são historiadores, ou pelo menos professores
deHistória, os manuais escolares—com seus textos escritos e ima-
AHistória da África nos bancos escolares...
441
géticos — ganham o
Da mesma forma, seria natural pensar que as mesmas serão (re)significadas
pelos seus leitores, sejam eles professores ou alunos.
Entendemos, portanto, que os textos e os recursos imagéticos presentes
em um livro didático—mapas, figuras, fotografias, pinturas,
charges ou desenhos—são produtos da interpretação e da representação
de uma certa realidade pelos seus autores.
Os próprios manuais guardam uma larga possibilidade de
entendimento a partir do contexto no qual foram fabricados, do
momento historiográfico vivenciado, das diversas demandas e influências
que se apresentaram na elaboração desse tipo de material
e de ideologias ou mentalidades circulantes. Ao escrever um texto
sobre a formação dos Estados nacionais europeus e ignorar a multiplicidade
étnica da África pré-colonial, ou utilizar imagens de
africanos escravizados e brutalizados e não aquelas em que aparecem
resistindo ou interagindo ao tráfico, o autor está fazendo uso
de uma série de critérios: sua formação acadêmica, suas convicções
ideológicas, seu contexto histórico, o público para quem está elaborado
o material, a intenção das editoras, as limitações de sua formação
para tratar todos os assuntos e as pressões do mercado editorial.
De certa forma, seu trabalho final é o resultado de seus olhares
direcionados e cheios de significados e interpretações, resultando
num tipo de representação da história. O livro didático
status de serem representações da História.
[...] é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma
ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram como textos e
ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos
dominantes, generalizando temas, como família, criança, etnia, de
acordo com os preceitos da sociedade branca [...] (Bittencourt, 1997:
72)
A partir das palavras e imagens—significantes—presentes
nos livros, os próprios alunos irão construir suas representações—
significados — ou somente absorverão as representações elaboradas
pelos autores. De acordo com Zamboni
Com relação à produção do conhecimento em sala de aula, lidamos diretamente
com a construção e elaboração de imaens e palavras. Neste aspecto,
a compreensão dos sentidos das palavras é de fundamental importância
[...] Quando uma palavra adquire determinado significado, pode
ser aplicada a outras situações: é a aplicação de um conceito a novas situações
concretas, é um tipo de transferência. (Zamboni, 1998: 94-5)
Entretanto, acreditamos que a construção de significados
em sala de aula não se limita às palavras ou textos escritos. As ima-
Anderson RibeiroOliva
442
gens, além de contribuírem para o processo de ensino-aprendizagem
em História (
de os alunos olharem os indivíduos ou grupos sociais que convivem
com eles.
ibidem: 75), também informam uma maneira
A imagem enquanto representação do real estabelece identidade, distribui
papéis e posições sociais, exprime e impõe crenças comuns, instala
modelos formadores, delimita territórios, aponta para os que são amigos
e os que se deve combater. (Meireles, 1995: 101)
Seria plausível, então, pensar que se uma criança africana,
européia ou brasileira for acostumada a estudar e valorizar apenas
ou majoritariamente elementos, valores ou imagens da tradição
histórica européia elas irão construir interpretações ou representações
influenciadas pelas mesmas. Da mesma forma, se as imagens
reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrarem o africano e a
História da África em uma condição negativa, existe uma tendência
da criança branca em desvalorizar os africanos e suas culturas e
das crianças africanas em sentirem-se humilhadas ou rejeitarem
suas identidades.
20
Tentaremos, neste artigo, realizar um exercício inicial sobre
essas questões.
Um estudo de caso: a África na
Mario Schmidt
Nova História Crítica de
“Muitos brasileiros de hoje descendem de povos africanos.
Por isso, conhecer a história da África nos faz conhecer nossa própria
história”. É com esse parcial
Schmidt
volume de sua coleção intitulada
maiores reflexões sobre o tema que se registre o elogio. Juntamente
com outras poucas coleções, esta é uma das obras que dedica um
espaço exclusivo para tratar o Continente. Quase sempre, a África
aparece em óbvias passagens daHistória do Brasil ou Geral, ligada
à escravidão, ao domínio colonial no século XIX, ao processo de
independência e às graves crises sociais, étnicas, econômicas e políticas
em que mergulhou grande parte dos países africanos formados
no século XX. A África torna-se um apêndice ou um complemento.
São poucos os livros que dão destaque à
Por razões que talvez espelhem as defasagens da formação
acadêmica e do mercado editorial, e as circunstâncias específicas
da elaboração de um livro didático, o autor do manual incorreu em
21 argumento que Mario Furley22 inicia o décimo primeiro capítulo (África) do segundoNova História Crítica. Antes deHistória da África.
AHistória da África nos bancos escolares...
443
algumas imprecisões—que têm sido comuns quando o assunto é
abordado. Mesmo citando uma literatura clássica sobre a historiografia
africana, e apesar de vários aspectos positivos de seu texto,
observar os desvios cometidos motivam a análise sobre a questão.
Voltemo-nos a elas.
Apesar do título da coleção, o livro de Schmidt demonstra
ter uma inquestionável influência “marxista”. O vocabulário empregado
em certas passagens ao longo dos capítulos, e da própria
Introdução
História —, evidenciam uma abordagem marcadamente econômica
dos temas e o uso de conceitos como o de luta de classes, ancorando
parte de sua narrativa nos antagonismos entre dominados
e dominadores, capitalistas e proletariados, senhores e escravos.
Mesmo que, no
como referencial teórico, e nas temáticas abordadas dê uma atenção
especial a aspectos culturais, a influência dos pressupostos da
Nova História Francesa ou da História Social Inglesa é limitada.
Seu texto possui uma base “marxista” e que ao poucos vai incorporando
as pesquisas e idéias oriundas das novas concepções historiográficas.
Na realidade, soma-se a um grande grupo de livros que
se encontram em uma espécie de transição.
No que concerne ao estudo da História da África, o volume
aqui analisado guarda algumas singularidades e alguns lugares comuns.
No
Schmidt procura justificar a inserção de um capítulo deHistória
da África na sua coleção.
da série — uma espécie de Introdução ao Estudo daManual do Professor, o autor cite a História SocialManual do Professor, que vem separado do livro didático,
Eis aqui um tema freqüentemente negligenciado por nosso ensino. Falta
mais grave quando sabemos que todos os brasileiros são culturalmente
descendentes dos africanos.
Como falar de um assunto tão vasto em tão pouco espaço? Preferimos
nos concentrar em alguns aspectos fundamentais. Primeiro, mostrar aos
alunos que os “africanos” são na verdade diferentes uns dos outros (e apenas
alguns desses povos vieram como escravos para o Brasil). Segundo,
rejeitar os clichês próprios de filmes, desenhos animados e quadrinhos
etnocêntricos, ao estilo Tarzan e Fantasma. Procuramos transmitir nosso
próprio sentimento de encanto e surpresa com as maravilhosas criações
dos povos africanos: as pirâmides de Méroe, a vida intelectual agitada em
Tombuctu, as geniais esculturas iorubás, o imponente e misterioso grande
Zimbábue. (Schmidt, 1999b: 24)
Se, de fato, é um tema negligenciado pelo nosso ensino, por
que o autor alerta que sua abordagem será restrita, se sua intenção
é valorizar ou minimizar o esquecimento daHistória da África que
Anderson RibeiroOliva
444
fizesse uma análise efetivamente abrangente. Como veremos logo
a seguir, se sua coleção possui espaço para tratar a Reforma Religiosa
européia em catorze páginas, por que reservar apenas dez para
toda a África pré-colonial? Escolha do autor? Da editora? Do mercado
consumidor? Dos currículos?
Tais questões nos fazem percorrer rapidamente o citado volume
realizando um balanço das páginas dedicadas aos assuntos. É
revelador o grande espaço reservado às temáticas oriundas de uma
abordagem eurocêntrica da História, e as restrições a que são submetidas
aHistória da América e da África. Por exemplo, enquanto
os capítulos que tratam de temas como EuropaMedieval, AbsolutismoMonárquico,
Renascimento Cultural e Construção do Pensamento
Moderno Ocidental
quinze, vinte e dezoito páginas e vasta bibliografia, a História da
América pré-colombiana, América Espanhola e História da África
23 possuem respectivamente vinte,
24
apoio restrita. Ou por falta de conhecimento ou de interesse, a escolha
foi feita no sentido de conceder menor atenção para essas temáticas.
Com relação à História da África, a bibliografia citada, apesar
de conter nomes importantes da historiografia africana, é ainda
bastante restrita se comparada à difusão de estudos e pesquisas que
a História da África passou nos últimos vinte anos. A presença dos
trabalhos de Basil Davidson, Roland Oliver, Joseph Ki-Zerbo demonstra
o contato com a vertente de estudos efetuados até a década
de 1970. Já a citação da obra de Alberto da Costa e Silva revela
um pequeno contato com os novos estudos, porém, a referência é
ainda insuficiente.
possuem, cada uma, onze, dez e dez páginas, e literatura de25
Fora o capítulo específico sobre a África, ela transita em outras
partes do volume. No capítulo 5 — “A ExpansãoMarítima” -,
o Continente é retratado ora como um obstáculo a ser superado
para atingir o lucrativo mercado de especiarias do Oriente, ora
como uma fonte de riquezas naturais — ouro, marfim — ou de
oferta de mão-de-obra — os escravos.
Apesar de tantos riscos, de tantas incertezas, aqueles bravos homens toparam
o desafio. E fizeram o que nenhum outro europeu havia conseguido
antes: contornar o litoral da África, alcançaram o Oriente pelo mar e
chegaram à América. E tudo em apenas algumas décadas! (Schmidt,
1999: 94)
Ao contornar a África, os portugueses observavam o que podiam. Na
África haviam interessantes riquezas: o marfim, por exemplo, o precioso
dente do elefante, que servia para fazer objetos de luxo. Na Guiné, uma
AHistória da África nos bancos escolares...
445
região ao sul do deserto do Saara, era possível
obter ouro em boas quantidades... A
África também tinha algo que atraiu a cobiça
européia: seres humanos (
ibidem: 102).
Um ponto de destaque no capítulo
é a citação sobre o viajante
muçulmano Ibn Battuta, que percorreu
grande parte da África setentrional
deixando em sua obra,
Viagens,
26
suas observações pessoais. Com relação,
ao que ele menciona sobre
Ibn Battuta, alertamos para as imprecisões
e a pequena relevância
concedida a sua passagem sobre a
África, já que Schmidt cita suas impressões
acerca da Ásia.



Neste mesmo capítulo, o autor
transita entre outros acertos e
desacertos. Quando trata das relações da África com o mercantilismo
europeu e a sua integração aoMundo Atlântico o autor utiliza
corretamente uma imagem feita por um grupo étnico que habitava
o Benin, representando os europeus que chegavam ao Continente.
A postura mercantil-bélica fica evidente na pequena estatueta.
Alertar para as representações feitas de europeus pelos diversos
grupos africanos é um exercício fecundo para que os alunos passem
a reconhecer a diversidade cultural e a autonomia dos grupos
humanos da África. Normalmente,
o que ocorre é a
reprodução das representações
elaboradas pelos europeus
sobre os africanos.
Porém, ao analisar os
efeitos da escravidão nas
populações africanas, o texto
revela uma frágil preocupação
com o contexto histórico
da época, sendo evidentemente
carregado de
juízos de valor e de um grave
anacronismo.
informações coletadas pelas
Anderson RibeiroOliva
446
(Schmidt, 1999: 102)
(Schmidt, 1999: 102)
Por incrível que pareça, alguns papas chegaram a autorizar a escravização
dos africanos. A Igreja Católica alegava que essa era uma maneira de fazer
os africanos “abandonarem as religiões do diabo e conhecerem o cristianismo”.
(Schmidt, 1999:102)
Ao exigir da Igreja Católica do período uma postura contrária
à que historicamente manteve, o autor desconsiderou as perspectivas
teológicas e temporais do Catolicismo. A idéia de que a
Igreja foi omissa ou permissiva não condiz com as práticas e posturas
do Vaticano à época, são reflexões que encontram eco apenas a
partir dos olhares contemporâneos.
os elementos que embasaram as bulas papais que autorizavam os
reis portugueses a escravizar eternamente os muçulmanos, os pagãos
e os africanos negros, foram retirados de um imaginário
maior, no qual o negro e os infiéis eram tipificados como inferiores
aos homens da cristandade européia.
o uso pouco adequado de uma imagem ilustrando a relação
da Igreja com a escravidão.Nela é reproduzido o estereótipo do negro
passivo, submisso e sofredor.
Já no capítulo 13, “O Escravismo Colonial”, Schmidt incorre
em erros tradicionais à literatura didática. Um dos mais “clássicos”
é se referir à África apenas a partir do tráfico, como se o Continente
não tivesse uma história anterior à escravidão atlântica.
Schmidt não repete este deslize, porém, ao reproduzir o mapa do
tráfico de escravos volta a uma antiga divisão, na qual a África se
encontra separada em duas ou três faixas étnico-geográfico-lingüísticas
de onde sairiam os escravos. A diversidade e complexidade
dos povos africanos ficam nubladas ao realizarmos este imperfeito
fatiamento da África. Os alunos, ao terem contato com está
simplista leitura passam a reproduzi-la, transformando milhares
de grupos étnicos em outros dois—
livro procura estabelecer uma outra divisão, na qual, usando ainda
uma fusão de grupos lingüísticos com espaços físicos, opta por denominar
as regiões do tráfico em África deGuiné, Costa daMina e
Angola, de onde viriam os “congos” e os “angolas”. Parece que
soma voz às leituras científicas do século XIX que percebiam os
africanos subsaarianos como iguais, em sua simplicidade e inferioridade.
Ao fazer referência do uso da escravidão noMundo Atlântico
e das motivações econômicas que alimentaram o tráfico negreiro,
duas posturas do autor incomodam. Primeiro, ele não faz alusão
explicativa à escravidão tradicional africana, como se a escravi-
27 Não podemos esquecer que28 Soma-se a esse quadro passionalbantos e sudaneses.Oautor do
AHistória da África nos bancos escolares...
447
dão fosse uma invenção
árabe ou européia
naquele Continente.
29
das profundas
diferenças entre a escravidão
praticada
pelos africanos e
aquela utilizada sob
influência dos árabes
ou europeus, seria
fundamental um comentário
sobre o
tema. Segundo, ao
tentar situar o aluno
perante as relações
das práticas materiais
com as mentalidades de um certo período, a análise do autor se
reveste de um perigoso anacronismo. Schmidt afirma que, mesmo
sendo apoiada pela Igreja, governos, comerciantes, políticos, fazendeiros
e pela mentalidade da época,
em sua própria essência e nunca poderia ter sido justificada. O autor
perde os limites temporais e os critérios do relativismo, fazendo
com que o aluno visualize uma história na qual todos devem ter
como valores e referências de vida os padrões ocidentais atuais.
Mesmo sabendo30 a escravidão era injusta
Além das necessidades econômicas, existia a mentalidade da época. A escravidão
não era escandalosa como é hoje. Até mesmo os padres tiveram
escravos. Já pensou se alguém disser que temos de aceitar as injustiças sociais
de hoje porque no futuro alguém vai falar que no nosso tempo “as
injustiças eram normais?” (Schmidt, 1999: 213).
De forma parecida, não existem menções aos africanos traficantes.
Para o autor, somente os comerciantes portugueses, espanhóis,
ingleses e brasileiros fizeram parte das redes de lucro oriundas
de tal atividade. A participação de africanos no comércio de
homens é simplesmente ignorada (
Com relação ao capítulo 11, “África”, algumas considerações
gerais a realizar. Schmidt se esforça em legitimar o estudo da
África, o que não deixa de ser um ponto louvável. Porém, o critério
por ele eleito nos parece falho.
Ao citar os grupos étnicos africanos que foram estudados, o
autor utilizou uma difundida idéia entre os historiadores africanos
ibidem: 205 e 211).
Anderson RibeiroOliva
448
(Schmidt, 1999: 205)
pertencentes à chamada corrente da “Superioridade Africana”,
31
que no período próximo —anterior e posterior—às independências
utilizaram padrões ou referências europeus para afirmar ao
mundo e aos próprios africanos que a História do Continente negro
possuía elementos sofisticados e formas de organização avançadas,
e que deveriam ser estudadas. Neste sentido, encontrar os
grandes “impérios”, as grandes construções e as esplendorosas
obras de arte tornou-se quase que uma obsessão.
era e é uma região de grande autonomia, capacidade criativa e de
fecunda participação na História geral, não seria preciso eleger padrões
europeus para sua afirmação. Esta crítica já foi feita, com
grande pontualidade, a alguns daqueles historiadores. Porém,
Schmidt parece desconhecê-la, pois é justamente esse o critério
eleito pelo escritor para selecionar o que será estudado no capítulo.
32 Porém, se a África
Quem não admira o povo do rioNilo, das múmias, dos faraós, que escrevia
livros de Matemática e construía pirâmides? A maioria dos egípcios
antigos eram africanos e tinham a pele negra ou mulata. O que é mais
uma prova contra as pessoas racistas que teimam em dizer que “os negros
não foram capazes de formar uma grande civilização”. Acontece que o
Egito não foi a única grande civilização da África. Existiram muitas outras.
É o que descobriremos a partir de agora (Schmidt, 1999: 177).
Como se os “pequenos” grupos não tivessem relevância, ou
diante da impossibilidade de atentar para os milhares de grupos
que se espalham pela África, a seleção ocorreu se espelhando na
História da Europa: o estudo das grandes civilizações ou reinos.
Não é isso que realizamos com relação ao ensino da História? Não
elegemos a Civilização Grega, o Império Romano, o Império Bizantino,
a Civilização muçulmana? Não ignoramos a existência
em África de organizações políticas ou sociais, com grandes semelhanças
às européias ou americanas, mas é preciso que se demonstre
e enfatize suas singularidades e especificidades.
Com relação à forma de denominar ou identificar as etnias
africanas, o uso de alguns termos ou conceitos como
nação ou civilização
parece ser por demais impreciso, diante do grande suporte
que as pesquisas antropológicas e históricas já deram sobre o assunto.
Soma-se a isso uma abordagem muitas vezes simplista e restrita
a descrições da economia ou da formação política de reinos
como o da Núbia — civilização Kush —, de Gana, do Mali, do
Kongo e do Ndongo e de etnias como a dos hauças, iorubás, ibos,
askans e ajas. Fica evidente que o autor encontra dificuldades em
tratar os grupos étnicos africanos, e confunde ainda mais os alunos
AHistória da África nos bancos escolares...
449
ao usar termos ou definições que se ajustam mais especificamente
ao contexto histórico europeu ou de outras regiões do que ao africano.
Não que não possam ser aplicados no entendimento da África,
mas, se utilizados, devem ser contextualizados. Porém, neste
caso, o uso de
pouco didática. É o que ocorre, por exemplo, ao tentar explicar
que eram os hauças, da África Ocidental.
civilização, nação e povo como sinônimos é uma postura
A
[...]
Os hauças eram, na verdade, diversos povos que falavam uma língua semelhante.
Habituados ao comércio internacional, os hauças aceitavam conviver
com pessoas de outras
civilização dos hauças começou a ser construída por volta do século XInações [...]. (Schmidt, 1999:179-180)
Outra confusão acerca da questão ocorre quando o autor refere-
se aos iorubás.Na África, esse grupo passou apenas a se identificar
dessa forma por volta do século XVIII. Até então eles se auto-
identificavam de acordo com a origem de suas cidades ou pequenos
reinos: Oyo, Ifé, Ijexá, Ketu, Ijebu. No Brasil, foram chamados,
de uma forma geral, de nagôs. São praticamente inexistentes
as referências que denominam os iorubás na África como nagôs.
Porém, Schmidt parece desconhecer este dado.
Muitos habitantes do povo ioruba vieram escravizados para o Brasil, a
partir do século XVIII. Era comum chamá-los de nagôs, embora na verdade
os nagôs fossem apenas os iorubás estabelecidos onde hoje está o
Benin. (
ibidem: 181)
Quando passa a descrever algumas características gerais das
civilizações africanas eleitas para estudo, o autor volta a incorrer
em desacertos. Por exemplo, ao citar a cidade de Tombuctu, no
Mali, Schmidt ressalta a importância cultural e comercial da região,
mas insere no texto e nos seus comentários conceitos ou termos
que só poderiam ser aplicados em outros contextos. É o que
acontece quando ele faz referência à Tombuctu como um centro
de comércio
internacional.
Essa famosa cidade tinha dezenas de milhares de habitantes e uma das
maiores universidades do mundo. Era também um grande centro de comércio
internacional. Vendiam-se até livros escritos em árabe que abordavam
assuntos comoMedicina,Geometria, Religião, Poesia eHistória.
(
ibidem: 179)
Podemos perguntar: onde estavam as
momento, já que partimos da premissa de que o comércio
nações africanas naquele
Anderson RibeiroOliva
450
internacional ocorre entre nações. Ao mesmo tempo, era de se esperar
que a conversão de parte das populações da área ao islamismo
fizesse da leitura do Alcorão e de outros textos em árabe uma
prática comum. Por que então o espanto do autor (
livos...
Ocorreram também imprecisões e simplificações, ao descrever
a cultura material dos “reinos” do Kongo e Ndongo. O autor
poderia ter enfatizado a relevância da metalurgia e o circuito comercial
que envolvia as atividades econômicas da região, mesmo
que não fosse a atividade econômica principal. Porém, ele segue o
caminho da simplificação: “A organização social dos reinos Kongo
e Ndongo era semelhante. Produziam ferro e sal, criavam galinhas,
cachorros e cabritos” (
Alguns deslizes mais graves demonstram a pouca preocupação
do autor em permitir a construção de conhecimento e análises
por parte dos alunos. Ele antecipa essa ação e incorre emarriscadas
afirmações. Isso se torna claro em passagens nas quais Schmidt
tece considerações sobre o poderio militar/econômico e as práticas
da cultura material de alguns grupos africanos. As imprecisões variam
entre a emissão de juízos de valor e a realização de leituras
anacrônicas. Ao tratar dos conflitos entre o Abomei (Daomé) e os
iorubás, Schmidt comenta uma das conseqüências do conflito:
“Infelizmente grande parte das riquezas do reino Abomei vieram
do comércio de escravos” (
que?
Algo parecido repete-se ao citar uma das características “comuns”
às culturas do reino do Kongo e do Ndongo, na qual transparece
uma ação “moralizadora” ocidental despropositada em evidenciar
o consumo de bebidas alcoólicas na região.
Vendiam-se até)?ibidem: 181).idem). Infelizmente para quem? E por
O vinho feito de palmeira era muito apreciado, embora fizesse muito
mal à saúde quando bebido exageradamente. O guerreiro bêbado era fácil
de ser derrotado, o sábio bêbado não passava de tolo. (
idem)
Interessante notar que a mesma crítica não ocorre com relação
aos europeus.
Outra limitação evidente é concentrar a análise na costa ocidental
do Continente, reservando um pequeno parágrafo à África
oriental, que é assim apresentada.
No litoral oeste da África, banhado pelo oceano Índico, muitas cidades-
estados se desenvolveram em função do comércio internacional.
Mercadores árabes e chineses traziam seus produtos em troca de ouro,
marfim e cobre. As escavações dos arqueólogos já encontraram até mes-
AHistória da África nos bancos escolares...
451
mo, vasos de porcelana chinesa antiga! (Também existem pinturas chinesas
antigas representando girafas africanas) (
ibidem: 182)
No que se refere às cosmologias africanas, em nenhum momento
o autor atenta para uma abordagem explicativa da relação
entre as diferentes percepções e definições daquilo que os ocidentais
chamam de religião para as elaborações africanas sobre a questão.
A literatura existente sobre o pensamento tradicional religioso
africano oferece um rico subsídio para este debate, na minha opinião,
fundamental para relativizar o universo africano e demonstrar
como suas estruturas de explicação das relações sociais e de
suas cosmovisões são diferentes das ocidentais.
33
Schmidt incorre também em comprometedoras simplificações.
Muitos povos africanos desenvolviam o culto aos antepassados.
Os parentes mortos eram adorados como deuses por seus familiares,
que acreditavam que os espíritos podiam ajudar ou perturbar
o cotidiano dos vivos. Por isso, era comum jogar-se um pouco
de bebida na terra para que o espírito do parente morto pudesse
beber e se alegrar.
[...]
Uma parte importante dos africanos acreditava num único
Deus: eles se tornaram muçulmanos. (
ibidem: 183)
No primeiro exemplo se empresta ao universo
africano algumas práticas que, se ocorriam em certas
regiões do continente, possuíam significados singulares
e complexos, comuns às tradições afro-brasileiras,
sem maiores explicações ou detalhamentos. Já, na segunda
citação fica uma inquietante dúvida: que parte
importante dos africanos era monoteísta? E esse é o
único elemento que possibilitou a conversão ao islamismo? Não
podemos ignorar o fato de que o fenômeno religioso em África não
tem as mesmas bases do que oOcidental. Por isso, para os povos da
região seria mais adequado usar o termo cosmologia e não religião.
Além disso, é difícil identificar este número tão grande de sociedades
que “adoravam apenas um deus”.
Destaca-se, no entanto, a citação do orixá Exu, divindade-
chave do panteão iorubá, e que foi confundida e sincretizada
pelos missionários cristãos tanto em África como na América
como a figura do Diabo, da tradição judaico-cristã. Schmidt chama
a atenção dos alunos para as faces africanas do orixá, mesmo
que de forma superficial se afastando dos significados e funções de
Anderson RibeiroOliva
452
(Schmidt,
1999: 183)
maior destaque emprestados ao orixá pelos iorubás, mas evitando
estereótipos e ocidentalizações.
No uso das imagens, Schmidt parece se sair um pouco melhor,
apesar das citações de fontes imprecisas ou ausentes. A apresentação
do capítulo, com um conjunto de máscaras africanas, é
bastante estimulante, assim como o mapa da África presente na página
seguinte, que incorre, como ele mesmo alerta, em algumas
imprecisões temporais, mas foge das representações cartográficas
tradicionais dos manuais.



As presenças de imagens da Mesquita de Sexta-feira, em
Mopti, da cidade de Tombuctu, no Mali, do Grande Zimbabwe,
assim como de esculturas feitas pelos iorubás e no Daomé, são importantes
instrumentos na apresentação das formas arquitetôni-
AHistória da África nos bancos escolares...
453
(Schmidt, 1999: 176 e 177)
Mesquita no Mali (Schmidt, A cidade de Tombuctu (
1999: 179)
idem)
cas, das religiosidades, artes e filosofias africanas. Da mesma forma,
o autor inova traçando uma linha do tempo com os principais
momentos da História do Continente.
Schmidt também procura chamar a atenção dos alunos para
as representações dos africanos feitas pelos europeus. A mudança
Anderson RibeiroOliva
454
O Grande Zimbabwe (Schmidt, 1999: 182) As artes do Benin e ioruba (
(
(
ibidem: 180 e 181)idem)idem)
da fisionomia dos africanos, de seus gestos, roupas e comportamentos,
que recebem feições européias, é destacada pelo autor. A
demonstração do preconceito europeu com o Continente, ou o
olhar eurocêntrico que marcava a relação entre as partes citadas,
pode se tornar uma abertura para o palco de debates e reflexões sobre
a temática do racismo, da discriminação e da intolerância.
No final do capítulo, Schmidt demonstra sua preocupação
em articular os conteúdos históricos estudados com o contexto
presente. Porém, a imagem que ele transmite aos alunos da África
contemporânea é simplista e falsa. Ninguém desconhece as dificuldades
e carências do Continente, mas resumir a África a essas
faces é um perigoso argumento. “Hoje em dia, os países da África
são pobres e a população passa por grandes necessidades”
(Schmidt, 1999: 183).
Reflexões
Acredito que, percorrido esse breve caminho sobre a abordagem
daHistória da África em nossos bancos escolares, temos ainda
não respondida a questão que introduz o artigo—“o que sabemos
sobre a África?”. Talvez demore mais algum tempo para que possamos
— professores e alunos — fazê-lo com desenvoltura. Porém,
fica evidente que ensinar a História da África, mesmo não sendo
uma tarefa tão simples, é algo imperioso, urgente. As limitações
transcendem—ao mesmo tempo em que se relacionam—os preconceitos
existentes na sociedade brasileira, e se refletem, de um
certo modo, no descaso da Academia, no despreparo de professores
e na desatenção de editoras pelo tema. Por isso, não sei se aquela
pergunta ainda uma tem resposta aceitável.
É obvio que muito se tem feito pela mudança desse quadro.
Louve-se, nesse sentido, a ação de alguns núcleos de estudo e pesquisa
emHistória da África montados no Brasil, como o Centro de
Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federalda Bahia,
o Centro de Estudos Afro-Asiáticos e o Centro de Estudos
Afro-Brasileiros, da Universidade CandidoMendes (UCAM), e o
Centro de Estudos Africanos, da USP. Enalteça-se a iniciativa legal
do governo, do movimento negro e de alguns historiadores atentos
à questão. Ressalte-se a ação de algumas instituições e professores
que têm promovido palestras, cursos de extensão e oferecido ou
proposto cursos de pós-graduação emHistória da África, como na
UCAM e na Universidade de Brasília (UnB). Porém, ainda exis-
AHistória da África nos bancos escolares...
455
tem grandes lacunas e silêncios. A obrigatoriedade de se estudar
África nas graduações, a abertura do mercado editorial — traduções
e publicações—para a temática, até a maior cobrança de História
da África nos vestibulares são medidas que tendem a aumentar
o interesse pela História do Continente que o Atlântico nos
liga. Talvez assim, em um esforço coletivo, as coisas tendam a mudar.
Incursionar sobre o ensino de História da África parece se
algo tentador, motivador e necessário. Esperamos que o presente
trabalho venha a contribuir na melhoria e continuidade de algumas
iniciativas aqui abordadas, sempre objetivando à formação
humana e o reconhecimento do Continente que se conecta conosco
pelas fronteiras Atlânticas.
Notas
1. Sobre a temática ver os ótimos trabalhos de Nadai (1992),Munaka (2001), Fonseca
(1993) e Diehl (1999), presentes na bibliografia.
2. Estamos nos referindo às importantes experiências com o ensino temático ocorridas
no estado de São Paulo e em outras partes da Federação nos anos oitenta. Naquela
oportunidade, os debates de (re)elaboração dos currículos deHistória nas Secretarias
de Educação levariam à constatação de que o modelo de ensino até então adotado era
insustentável e que era imperiosa a confecção de uma nova abordagem para a História
ensinada nas escolas. Porém, neste momento, tirando os debates iniciais sobre a
Nova História francesa que ocorriam na UNICAMP e na USP, o Brasil não possuía,
nas graduações e nas pesquisas históricas, elementos suficientes para ancorar tal perspectiva.
Já nos anos noventa o quadro era outro. Tanto as graduações como as
pós-graduações já estavam voltadas para as temáticas comuns àNovaHistória, àHistória
Social e à História Cultural, possibilitando uma “transferência” mais coesa dessas
perspectivas para o ensino da História.
3. Sobre o tema ver o artigo escrito por Pereira (2001).
4. Como da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Departamento
de História da Universidade Estadual de Londrina.
5. Citamos, como exemplo, o núcleo regional da ANPUH-RS, com seu Grupo de Trabalho
(GT) sobre Ensino de História e Educação.
6. Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
7. Lei 10639, de 9 de janeiro de 2003.
“Art. 26-A.Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,
torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
daHistória da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira
e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo nego nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.
Anderson RibeiroOliva
456
8. A pesquisa se encontra em fase inicial, na qual, apenas quinze, das trinta coleções de
livros didáticos de História, selecionadas para análise, foram compulsadas. As obras
são as seguintes:Mozer (2002), Rodrigue (2001),Macedo (1999),Dreguer (2000) e
Schmidt (1999).
9. A viagem ocorreu no mês de novembro de 2003.
10. Entre os vários pesquisadores que dissertaram sobre a trajetória da historiografia africana
e pensaram as questões acerca das representações encontramos nomes como Joseph
Ki-Zerbo,Djibril Tamsir Niane, Elikia M’Bokolo, Kwame Appiah, Franz Fanon,
Carlos Lopes, José da Silva Horta, John Fage e Philip Curtin.
11. Para CarloGinzburg o termo guarda em sua aplicação nas ciências humanas uma certa
ambigüidade, que se revelaria por dois encaminhamentos reflexivos acerca da
questão. Para alguns a representação “faz as vezes da realidade”, lembrando sua ausência.
Para outros, ela “torna visível a realidade representada e, portanto, sugere sua
presença”. Neste caso, o primeiro exemplo seria efetivamente uma representação e
seria lida como tal. Já no segundo exemplo ela poderia se confundir com o que é representado,
não sendo mais percebida como um instrumento de ligação, para ser o
próprio objeto que está sendo representado. Ocorreria, portanto, uma oscilação entre
evocação e substituição do que é representado (Ginzburg, 1999: 85). Já para Roger
Chartier “[...] nenhum texto—mesmo aparentemente mais documental [...]—
mantém uma relação transparente com a realidade que apreende. O texto, literário
ou documental, não pode nunca se anular como texto, ou seja, como um sistema
construído consoante categorias, esquemas de percepção e de apreciação, regras de
funcionamento, que remetem para as suas próprias condições de produção” (Chartier,
1988: 63).
12. Fanon nasceu na ilha deMartinica, na América Central, em 1925. Até sua morte, em
1962, esteve engajado na luta de libertação das colônias francesas na África.
13. Fora os trabalhos dos citados autores encontramos várias outras referências: Políbio,
séc. II a.C.; Estrabão, séc. I a.C.; Plínio, o Velho, séc. I; Tácito e Plutarco, séc. II.
14. Desde da Antigüidade os escritos de viajantes ou “historiadores”, como Heródoto e
Plínio, o Velho, fazem referência à África. No medievo, a teoria camita e a fusão da
cartografia de Cláudio Ptolomeu com o imaginário cristão, relegam a África e os africanos
às piores regiões da Terra. Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos
com a África abaixo do Saara os estranhamentos e olhares simplificantes e reducionistas
continuam. No século XIX, a ação das potências imperialistas no continente
e a difusão das teorias raciais reforçam os estigmas já existentes sobre a região.
15. O conceito de tradicional aqui utilizado deve ser relativizado. Trabalhamos com a
perspectiva de que as sociedades tradicionais se encontram abertas e, em grande parte
das vezes, absorvem os impactos causados pelas mudanças sem maiores transtornos.
Sobre a temática ver a obre de Appiah (1997).
16. Estas idéias foram expostas numa série de cursos apresentados pelo professor, intitulada
“The Rise of Christian Europe”. Ver Fage (1982)
17. Mais à frente apontaremos os motivos disso.
18. A referência aos citados grupos de estudos sobre a áfrica hora como “grupos”, hora
como “vertentes”, não ocorre por um descaso nosso, mas é apenas uma forma de de-
AHistória da África nos bancos escolares...
457
monstrar a flexibilidade de classificação ou ordenamento de trabalhos utilizados em
nossa pesquisa.
19. Desde os anos 1960, acontecem encontros e congressos sobre as mais diversas temáticas
e investigações sobre a África. Porém, nos últimos quinze anos, esses eventos
atingiram uma dimensão significativa, contando com um grande número de participantes
e de pesquisas divulgados. Podemos citar alguns de maior relevância como o
Colóquio de Construção e Ensino da História da África, as Reuniões Internacionais
d História de África, os Congressos Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, os Seminários
Internacionais sobre a História de Angola, o African Studies Association
(ASA), nos EstadosUnidos; oWest African Research Association (WARA), no Senegal
e nos Estados Unidos; o Women in Africa and African Diaspora (WARD), nos
Estados Unidos; e o Association Canadienne dês Études Africaines (ACEA/CAAS),
em Toronto. As publicações também têm tido um crescimento quantitativo e qualitativo
de destaque, seja em obras coletivas, seja na divulgação de investigações e reflexões
individuais. Ver Bibliografia.
20. Sobre a temática ver Silva (1995).
21. A História da África é um tema obrigatório e de grande fecundidade reflexiva, mesmo
sem suas vinculações com a história do Brasil.
22. Autor de uma das novas séries de livros didáticos de História lançadas na segunda
metade da década de 1990.
23. Na mesma ordem capítulos 3, 6, 10 e 16.
24. Respectivamente os capítulos 7, 15 e 11.
25. Um comentário mais específico dessas obras exigiria um esforço que não se adequaria
a nossa proposta.
26. Ibn Battuta,
27. De novo alertamos que, não estamos desconsiderando os esforços de alguns missionários,
religiosos ou teólogos contrários à escravidão. Apenas evidenciamos o debate
político-diplomático-religioso de esferas hierárquicas maiores acerca da questão ou
que se tornaram características gerais da Igreja.
28. Acerca da questão, ver o trabalho de Lopes (1995).
29. No capítulo 11, página 180, o autor separou um subtítulo—“A escravidão negra”
Viagens. Tradução francesa de M. G. Slane, 1843.
para tratar da relação entre os africanos e a citada instituição. Porém, ele não menciona,
de forma explicativa, a escravidão tradicional africana. Sobre o assunto, ver os seguintes
trabalhos: Selma Pantoja (2000), Paul Lovejoy (2002), Patrick Manning
(1988) e Alberto da Costa e Silva (1992).
30. Por motivos que transcendiam o fator econômico, já que o africano era percebido
como inferior e pagão/infiel, podendo ser alvo da ação missionária e salvadora dos
ocidentais.
31. O historiador guineense Maria Difuila organizou uma nova classificação para a historiografia
africana, passando a dividi-la em três fases: corrente da Inferioridade
Africana; corrente da Superioridade Africana; e os novos estudos africanos. Com relação
à corrente da Superioridade Africana uma de suas principais características era
supervalorizar o continente, ora utilizando categorias européias, no estudo de antigas
civilizações africanas, ora afirmando a superioridade da África em relação ao
mundo. Ver Difuila (1995).
Anderson RibeiroOliva
458
32. Sobre a questão ver os trabalhos de Philip Curtin (1982), Manuel Difuila (1995) e
Carlos Lopes (1995).
33. Sobre o assunto ver as obras de Appiah (1997), Horton (1990), Ray (2000) e Mbti
(1977).
Referências Bibliográficas
ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (2003).
metodologia
APPIAH, Kwame Anthony (1997).
BHABHA, Homi (2003).
BIRMINGHAM, David (1995). “History in Africa”.
História de África
BIRMINGHAM, David (1992).
BITTENCOURT, Circe (org.) (1997). “Livros didáticos entre textos e imagens”.
Bittencourt (org.),
CHARTIER, Roger (1988).
CORREIO BRAZILIENSE, 8 de novembro de 2003, p.2.
COSTA E SILVA, Alberto (1992).
de Janeiro, Nova Fronteira.
(2002).
Nova Fronteira.
(2003).
Nova Fronteira.
CURTIN, P. D. (1982). “Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição
à história em geral”
Paulo/Paris, Ática/Unesco.
DEL PRIORE,Mary&VENÂNCIO, Renato (2004).
da África Atlântica
DIEHL, Astor Antônio; CAIMI, Flávia Eloísa & MACHADO, Ironita (orgs.) (1999).
Ensino de história: conceitos, temáticas e. Rio de Janeiro, Casa da Palavra; FAPERJ.Na casa de meu pai. Rio de Janeiro, Contraponto.O local da cultura. Belo Horizonte, Editora UFMG.Colóquio Construção e Ensino da. Lisboa, Linopazas, pp. 31-50.A África Central até 1870. Luanda, ENDIPU/UEE.In C.Osaber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, pp. 69-90.A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa,Difel.A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. RioA manilha e o Libambo. A África e a escravidão, 1500 a 170. Rio de Janeiro,Um rio chamado Atlântico. A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro,. In J. Ki-Zerbo (org.), História geral da África, vol. I. SãoAncestrais. Uma introdução à história. Rio de Janeiro, Editora Campus.
O livro didático e o currículo de história em transição
DIFUILA, Manuel Maria (1995). “Historiografia da história de África”.
‘Construção e Ensino da História de África
DJAIT, H. (1982). “As fontes escritas anteriores ao século XV”.
. Passo Fundo, EDIUPF.Actas do Colóquio’. Lisboa, Linopazas, pp. 51-56.In J. Ki-Zerbo (org.),
História geral da África: metodologia e pré-história da África. vol. I
Ática/Unesco, pp. 105-128..
FAGE, J. D (1982). “A evolução da historiografia africana”.
geral da África: metodologia e pré-História da África. vol. I
Unesco, pp. 43-59.
FANON, Frantz (1983).
FONSECA, Selva Guimarães (1993).
. São Paulo/Paris,In J. Ki-Zerbo (org.), História. São Paulo/Paris, Ática/The wretched of the earth. Harmondsworth, Penguin.Caminhos da história ensinada. São Paulo, Papirus.
AHistória da África nos bancos escolares...
459
FREUND, Bill (1984). “Africanist history and the history of Africa”.
making of contemporany Africa: The development of African society since 1800.
Indiana University Press.
GILROY, Paul (2001).
GINZBURG, Carlo (2001).
Companhia das Letras.
HERÓDOTO (1988).
HORTA, José da Silva (1995). “Entre história européia e história africana, um objecto
de charneira: as representações”.
da África
(1991). A representação do africano na literatura de viagens, do Senegal a Serra Leoa
(1453-1508). Dissertação deMestrado em História, Lisboa, Departamento de História
da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, julho de 1990.
nº 2, 1991, pp. 209-339.
HORTON, Robin (1997). “African traditional thought and western science”.
Grinker&C. B. Steiner (orgs),
representation.
KARNAL, Leandro (org.) (2003).
In B. Freund, TheBloomington,O Atlântico negro. Rio de Janeiro, UCAM/Editora 34.Olhos deMadeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo,História. Brasília, EdUnB.Actas do Colóquio Construção e Ensino da História. Lisboa, Linopazes.Mare Liberum,In R. R.Perspectives on Africa: a reader in culture, history, andOxford, Blackwell Publishers.História em sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
São Paulo, Contexto.
KAPPLER, Claude (1994).
São Paulo, Martins Fontes.
LOPES, Carlos (1995). “A pirâmide invertida. Historiografia africana feita por africanos”
Actas do Colóquio Construção e Ensino daHistória da África
LOVEJOY, Paul E. (2002).
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
M’ BOKOLO, Elikia (2003).
Lisboa, Vulgata.
MANNING, Patrick (1988). “Escravidão e mudança social na África”.
Cebrap
MARGARIDO, Alfredo (1984).
MATTOS,HebeMaria (2003). “O ensino de história e a luta contra a discriminação racial
no Brasil”.
Rio de Janeiro, Casa da PalavraFAPERJ, pp. 127-136.
MBITI, John S. (1977).
MEIRELLES,William Reis (1995). “História das imagens: uma abordagem, múltiplas
facetas”.
MUNAKA, Kazumi (2001). “História que os livros didáticos contam, depois que acabou
a ditadura no Brasil”.
São Paulo, Contexto, pp. 271-298.
MUDIMBE,V. (1988).
NADAI, Elza (1992). “O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectivas”.
Brasileira de História,
Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média... Lisboa, Linopazes.A escravidão na África: uma história de suas transformações.África negra. História e civilizações. Até ao Século XVIII.Novos Estudos, nº 21, julho, pp. 8-29.La vision de l’autre. Paris, Fondation Calouste Gulbenkian.In M. Abreu&R. Soihet, Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia.Introduction to African religion. London, Heinemann.Pós-História, nº 3, pp. 77-91.In M. C. Freitas (org.),Historiografia brasileira emperspectiva.The invention of Africa. Bloomington, IndianaUniversity Press.Revistavol. 13, nº 25/26, pp. 143-162.
Anderson RibeiroOliva
460
NORONHA, Isabel (2000). “A corografia medieval e a cartografia renascentista: testemunhos
iconográficos de duas visões de mundo”.
Manguinhos
ORIÁ, Ricardo (1996). “O negro na historiografia didática: imagens, identidades e representações”.
História, Ciências, Saúde-, nov. 1999/fev. 2000, vol.6, nº 3, pp.681-687.
Textos de História
PANTOJA, Selma Alves (2000).
Thesaurus.
PEREIRA, Paula (2001). “As tintas da história”.
Paulo.
PESAVENTO, Sandra Jatahy (1995). “Em busca de uma outra história: imaginando o
imaginário”.
RAY, Benjamin C. (2000).
Prentice-Hall.
SILVA, Ana Célia da (1995).
CED.
THORTON, John (2003).
1400-1800
VILLALTA, Luiz Carlos (2001). “O livro didático de história no Brasil: perspectivas de
abordagem”.
ZAMBONI, Ernesta (1988). “Representações e linguagens no ensino de história”.
Brasileira de História,
, vol. 4, nº 2, pp. 154-165.Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília,Época, ano IV, nº 162, pp. 50-57. SãoRevista Brasileira de História, vol. 15, nº 29, pp. 9-27.African religions: symbol, ritual, and community. New Jersey,A discriminação do negro no livro didático. Salvador, CEAL,A África e os africanos na formação do Mundo Atlântico,. Rio de Janeiro, Campus.Pós-História, nº 9, pp. 39-59.Revistavol. 18, nº 36, pp. 89-101.
Livros Didáticos analisados
DREGUER, Ricardo&TOLEDO, Eliete (2000).
6ª, 7ª e 8ª séries. São Paulo, Atual.
MACEDO, José Rivair & Oliveira, MarileyW. (1996).
vol. 3. São Paulo, Editora do Brasil.
MONTELLATO, Andrea; CABRINI, Conceição & CATELLI JR., Roberto (2000).
História: cotidiano e mentalidades. 5ª,Brasil: uma história em construção,
História temática
MOZER, Sônia&TELLES, Vera (2002).
RODRIGUE, Joelza Éster (2001).
séries. São Paulo, FTD.
SCHMIDT, Mario (1999a).
(1999b).
. 6ª série. São Paulo, Scipione.Descobrindo a história, 5ª série. São Paulo, Ática.História em documento: Imagem e texto. 5ª, 6ª, 7ª e 8ªNova história crítica, 6ª série. São Paulo, Nova Geração.Manual do professor. Nova história crítica, 6ª série. São Paulo, Nova Geração.
AHistória da África nos bancos escolares...
461

Anderson RibeiroOliva
No final dos anos 70 e início dos 80, passada a euforia de se
pensar a África por ela mesma, surgiu, nas palavras de Lopes, uma
“nova escola de historiadores africanos”, despojados das cargas
emocionais dos seus predecessores e igualmente preocupados com
a continuidade das investigações. Porém, no caso desses novos his-
18 resvalaram em erros anteriormente cometidos.ibidem: 24-26).

A História da África nos
bancos escolares.
Representações e imprecisões
na literatura didática

Tuesday, June 7, 2011

ESCLAVITUD BAJO LA LEY DE MOISES

El escriba Valdemir Mota de Menezes he leído este artículo sobre las costumbres orientales en el trabajo: Usos y Costumbres de las Tierras de la Biblia.


LA ESCLAVITUD BAJO LA LEY DE MOISES

La esclavitud entre los mismos judíos. Los judíos podían ser alquilados por sus propios
hermanos como sirvientes, pero no se les permitía ser esclavos de cautiverio. (Lev. 25:39, 40).

En lo concerniente a uno de esos alquilados como sirviente, el Señor ha dicho: .No te
enseñorearás de él con dureza; mas tendrás temor de tu Dios. (Lev. 25:43). Tal esclavitud era de ordinario tenida con los pobres a causa de las deudas que el hombre no podía pagar (Ex. 22:2, 3). Tal esclavo hebreo podía ser redimido por sus parientes en cualquier tiempo (Lev. 25:48, 49). Si no era redimido, era puesto en libertad después de seis años de trabajo y se le enviaba con presentes y ganados y frutos (Deut. 15:12-14). Un esclavo hebreo podía, por amor a su amo, optar no ser puesto en libertad en el año séptimo, y así convertirse en esclavo a su amo por toda su vida. Se observaba la siguiente costumbre en tales casos: "Entonces tomarás una lesna, y horadarás su oreja junto a la puerta, y será tu siervo para siempre. (Deut. 15:17).


La esclavitud con amos hebreos y esclavos advenedizos. La Mayor parte de estos
esclavos eran los capturados en tiempos de guerra vease Núm. 31:26 y Deut. 21:10) Algunos eran traídos de los mercados de esclavos extranjeros (Lev. 25:21). Los extranjeros que vivían en la tierra podían llegar a ser esclavos por la misma razón que los hebreos, a través de pobreza o hurto. Tales esclavos eran tratados como propiedad del amo (Lev. 25:45). Hay indicaciones, sin embargo, que algunos de ellos fueron libertados bajo ciertas condiciones, y algunos escritores tienen la opinión que fueron libertados bajo la ley del Jubileo.


Protección a los esclavos. EI Código Mosaico tiene varios reglamentos que protegen los derechos y privilegios de los esclavos. Por ejemplo, la ley del esclavo fugitivo era favorable a los esclavos y fue elaborada para protegerlos de la opresión (Deut. 23:15, 16) Todos los privilegios religiosos de que gozaban los israelitas libres, estaban asegurados para sus esclavos, incluyendo el descanso del sábado (Ex. 20:10), el derecho para asistir en las fiestas nacionales (Deut. 16:10, 11), y el derecho para participar en las reuniones del pueblo para oír la lectura de la ley (Deut. 31:1043).

Por qué la ley mosaica permitía la esclavitud en lugar de abolirla. Cuando la ley fue
dada en el Monte Sinaí la esclavitud era universal entre las naciones del mundo. No sería práctico terminar con ella de una sola vez. Más bien, las leyes fueron dadas para prevenir que los peores abusos y males de ella, existieran entre los judíos. W. M. Taylor ha dicho lo siguiente respecto a la ley de la esclavitud, divorcio, etc.

.Es notable, sin embargo, que dondequiera que se toleran asuntos dudosos, por causa de estar muy profundamente arraigadas para ser removidas mediante una prohibición inmediata, la legislación en relación con ellas es de tal carácter como para mitigar los males, y preparar el camino para su final represión".


La sabiduría de tal política se ve en la influencia actual de la legislación mosaica sobre
la esclavitud de los judíos. Debido a esta influencia, la esclavitud entre los judíos mismos había desaparecido casi por completo para el tiempo de Cristo y sus discípulos.

ESCLAVITUD BAJO LOS ENEMIGOS DE ISRAEL

El escriba Valdemir Mota de Menezes he leído este artículo sobre las costumbres orientales en el trabajo: Usos y Costumbres de las Tierras de la Biblia.


LA ESCLAVITUD BAJO LOS ENEMIGOS DE ISRAEL

Muchos de los judíos experimentaron la esclavitud bajo gobiernos extranjeros en
tiempos de las cautividades. Fueron hechos cautivos en guerra por los fenicios quienes los vendieron a los griegos (Joel 3:4-6). Los filisteos también los dominaron y los entregaron a Edom (Amós 1:6). Cuando los asirios conquistaron Samaria, muchos de los judíos fueron llevados a la tierra de Asiria para servir como esclavos de las gentes (2 Reyes 17:6). Cuando Jerusalén fue destruida, los babilonios se llevaron muchos hebreos a Babilonia como esclavos en esa capital extranjera (2 Crón. 36:20).

En fecha posterior, los comerciantes asirios vinieron a este campo para conseguir esclavos judíos (1 Macabeos 3:41. en el Apócrifa). Y en los días de
la supremacía de Roma muchos judíos sirvieron como esclavos en el Imperio. Pero la
esclavitud bajo la dominación gentil fue con seguridad en todo diferente a la esclavitud bajo la ley mosaica. Los amos fueron crueles en su mayoría y los esclavos eran oprimidos por lo general, grandemente.

ESCLAVITUD EN EL IMPERIO ROMANO

El escriba Valdemir Mota de Menezes he leído este artículo sobre las costumbres orientales en el trabajo: Usos y Costumbres de las Tierras de la Biblia.



LA ESCLAVITUD EN EL IMPERIO ROMANO

Carácter y extensión de la esclavitud. En el primer siglo la vida humana ciertamente se
cotizaba ésta muy bajo, porque se ha estimado que la mitad de la población del Imperio, o cerca de sesenta millones de gentiles, eran esclavos. Los propietarios de esclavos se hicieron brutales, y los esclavos mismos no tenían esperanza, pues muchos de ellos estaban corrompidos. La mayor parte de estos esclavos habían sido conquistados en guerra. Algunos de los cautivos eran mas educados que sus captores. Sucedió así que algunas veces los esclavos griegos se convirtieron en maestros de escuela para los familiares de sus amos.

La ley romana y el esclavo. Bajo la ley romana, el esclavo no tenía los derechos, o tal
protección como la que se disfrutaba bajo la ley hebrea. El amo podía mandar crucificar a un esclavo por cualquiera razón. Augusto César mandó crucificar treinta mil esclavos durante su reinado. Un esclavo que robaba podía ser marcado en la cara por su amo con las letras C. F. que representaban las palabras Cave Furem que querían decir "he aquí al ladrón". Y en el caso de esclavos que se escapaban, si eran aprehendidos, su amo podía marcarlos, aumentarles la labor acostumbrada, o podía mandarlos matar si así lo deseaba. La ley le permitía ser reinstalado con misericordia, por la intercesión de un amigo especial del amo. El apóstol Pablo era amigo de Filemón y fue quien intercedió en favor del esclavo escapado, Onésimo. La
Epístola a Filemón es el ruego de Pablo a su amigo en favor del esclavo convertido. Sin duda Filemón dio a Onésimo su libertad después de recibir la carta de Pablo.
Actitud de los apóstoles hacia la esclavitud en el Imperio Romano. No trataron de quitar ese mal terrible inmediatamente. Esto habría sido una tarea sin esperanza, y tal pretensión habría sido sin duda aplastada por la mano de hierro de Roma. Más bien ellos se satisfacían con predicar los principios cristianos, y predicar el evangelio de la liberación del pecado de tal manera que el resultado llegara a ser la abolición de la esclavitud humana a través del poder conquistador de Cristo. La carta de Pablo a Filemón sin duda ha hecho más para dominar la esclavitud que cualesquiera otro documento escrito.
Uso en el Nuevo Testamento de la palabra "esclavo" con relación a Cristo. En vista de
la manera cómo eran tratados los esclavos con frecuencia en el primer siglo, es interesante que los apóstoles una y otra vez se llamaron a sí mismos los esclavos de Cristo. Pablo se refiere a él mismo (Rom. 1:1 y Fil. 1:1), Santiago, Pedro y Judas hacen lo mismo (Sant. 1:1; 2 Ped. 1:1; Judas 1). Ser esclavo de Cristo era ser libertado para Dios (1 Cor. 7:22). Por supuesto, algunos de estos esclavos del primer siglo eran tratados como amigos en quienes se depositaba la confianza, amando ellos realmente a sus amos y sirviéndoles fielmente. Este es el cuadro de los verdaderos creyentes con relación a Cristo. Cristo es nuestro Dueño, y nosotros sus esclavos amantes y voluntarios.
***

Thursday, April 14, 2011

DEPORTAÇÃO DE ESCRAVOS AMERICANOS AO BRASIL

O dia em que o Brasil disse Não aos Estados Unidos
Pesquisadora recupera documentos com proposta de deportar negros americanos para a Amazônia
Carlos Haag
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009


© REPRODUÇÃO


Banda Militar de soldados nortistas da União na Guerra Civil
Washington, dezembro de 1862: em meio a uma custosa, em vidas e dinheiro, Guerra Civil, em que a União estava desesperada por fundos a fim de sufocar a rebelião dos estados confederados, o presidente Abraham Lincoln, em seu discurso anual, o State of the Union, ousou pedir ao Congresso a liberação de US$ 600 mil para outro fim que não o conflito. “Os congressistas precisam liberar o dinheiro necessário para a deportação de pessoas negras livres para qualquer lugar fora dos Estados Unidos”, afirmou Lincoln – cujo bicentenário de nascimento é celebrado neste mês – em seu discurso anual. Não foi a primeira ou a única vez que o governante, um ano antes da proclamação da emancipação dos escravos, falou oficial e publicamente sobre seu interesse em deportar negros: foram cinco declarações políticas, incluindo-se dois State of the Union e o discurso que precedeu a emancipação. “O local onde penso ter uma colônia é na América Central. É mais próxima de nós que a Libéria [território no continente africano, dominado pelos EUA, para onde foram enviados libertos]. A terra é excelente para qualquer povo, especialmente a semelhança climática com sua terra natal, sendo, portanto, adequada às suas condições físicas”, escreveu num artigo para o New York Tribune, “The colonization of people of african descendent”.

“O plano oficialmente proposto pelo presidente Lincoln e sancionado pelo Congresso, para dar início à tarefa de colonizar fora dos EUA os negros libertos ou em vias de serem libertados no decorrer da guerra, está em vias de se concretizar no máximo em cinco semanas. Eles serão transportados à custa do governo e mantidos durante a primeira estação à custa do Estado e para tal uma verba foi aprovada pelo Congresso”, afirmava, em agosto de 1862, um editorial do The New York Times. Foi com esse espírito que Lincoln nomeou como representante extraordinário e ministro plenipotenciário dos Estados Unidos James Watson Webb, um antiabolicionista que via a libertação de escravos como potencialmente mais perigosa do que a escravidão em si. “Não é apenas do interesse dos Estados Unidos e absolutamente necessário para sua tranquilidade interna que se livre da instituição da escravidão, mas também, em consequência do preconceito de nosso povo contra a raça negra, se torna indispensável que o negro liberto seja exportado para fora de nossas fronteiras, pois conosco ele jamais poderá gozar de igualdade social ou política”, afirmou Webb em carta ao secretário de Estado de Lincoln, William Henry Seward.
O dia em que o Brasil disse Não aos Estados Unidos
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009
(Página 2 de 6)
© REPRODUÇÃO


O presidente Lincoln e seu ministro para o Brasil, James Watson Webb
O tom, mais “discreto”, ainda assim não renegava (mesmo que Webb, então na situação, passasse a se dizer contrário à Secessão e, logo, à “lepra da escravidão”) os editoriais que escreveu, em 1843, para o Courier & Enquirer: “Libertar os negros do Sul e deixá-los onde se encontram será o início de um conflito que só poderá terminar com o extermínio de uma ou da outra raça. A raça negra é caracterizada por uma ignorância degradante e inferioridade mental, enquanto os escravocratas são honrados, patriotas e de mente elevada”. E foi na condição de representante oficial do governo americano que o mesmo Webb, em maio de 1862, submeteu ao governo brasileiro a proposta da constituição de uma empresa binacional de colonização da Amazônia com negros americanos livres ou em que seriam libertados ao longo da Guerra Civil. “O (marquês de) Abrantes apresentou três propostas do ministro americano, cujo fim é transvasar para o vale do Amazonas principalmente os negros que se libertassem nos Estados Unidos. O Abrantes ficou de tirar cópias de tão singulares propostas e de responder como convém ao Webb”, anotou dom Pedro II em seu diário em junho daquele ano, já ciente do projeto de “deportação” de negros. O primeiro historiador a chamar a atenção para essa história exótica foi Sérgio Buarque de Holanda, no prefácio que escreveu para o livro A Amazônia para os negros americanos, de Nícia Vilela, em 1968. “Não me ocorreu procurar em fontes documentais brasileiras outras notícias sobre o projeto. Percorrendo, com outros interesses, o arquivo pessoal do ministro Webb, hoje na biblioteca da Universidade de Yale, pude achar dois textos que se relacionam com o projeto”, afirmou Buarque de Holanda. A “dica” chamou a atenção da historiadora Maria Clara Sales Carneiro Sampaio, que saiu em busca de mais informações. Não achou nada no Brasil e partiu para Yale, onde teve acesso aos mais de dois mil documentos (que transcreveu) da coleção James Watson Webb Papers, dos anos 1862 e 1863.

Em meio à papelada examinada por Maria Clara havia: minutas do projeto, cartas enviadas a Seward sobre o andamento das negociações e anotações de Webb sobre a situação do Brasil, que, acreditava, estava carente de mão-de- -obra escrava e aceitaria, de bom grado, receber os negros americanos em seu território. A partir do material levantado, a historiadora escreveu sua dissertação, Fronteiras negras ao Sul, orientada por Maria Helena Machado, professora associada da USP, onde o trabalho acaba de ser defendido. Maria Clara, em seu doutorado, vai expandir a pesquisa para os outros países também sondados por Lincoln. “Esse estudo revela as pouco conhecidas influências da Guerra Civil no Brasil. A ironia está no fato de o presidente Barack Obama ter Lincoln como modelo: se houvesse prevalecido a vontade dele, os EUA teriam expatriado os afro-americanos”, diz Maria Helena. “Ele foi um homem branco do seu tempo e, claro, compartilhava muitas das dúvidas de racistas sulistas sobre a possibilidade de negros se transformarem em cidadãos. No caso das expatriações, o interesse de Lincoln revela a sua dúvida se ex-escravos seriam assimilados na sociedade americana, mas também o seu feeling de que mais brancos, em especial aqueles dos estados fronteiriços entre o Norte e o Sul, apoiariam a abolição se fosse assegurado a eles que os negros libertos seriam ‘realocados’”, avalia a brasilianista Barbara Weinstein, professora de história em Yale.
DIPLOMACIA
O dia em que o Brasil disse Não aos Estados Unidos
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009
(Página 3 de 6)
© REPRODUÇÃO


dssssEscravos americanos
O principal argumento apresentado por Webb em seu projeto baseava-se no suposto “estado crônico de falta de mão-de-obra no Brasil, em especial nas províncias do Norte”: “O rápido aumento do valor do negro no Rio de Janeiro e o avanço do café, somado ao decréscimo da população escrava, ao contrário da nossa, e que é de um tipo de africano bastante inferior aos trazidos ao Brasil, está rapidamente despovoando as províncias do norte do Império (Northern Provinces). A grande necessidade do Brasil agora é mão-de-obra. Pelas características de clima e solo, o trabalho negro é preferível ao branco”, justificava o americano. Não deixa de elencar as vantagens do uso do negro americano. “Deus criou nos corações do povo dos Estados Unidos, cujo clima e solo são propícios ao trabalho escravo, uma aversão à escravidão que resultou na maior guerra civil jamais vista. O negro que está prestes a ser manumisso (libertado) foi treinado para o trabalho: é dócil e tratável, mas suspira por liberdade. Deus, em Sua infinita sabedoria e misericórdia, tornou possível por meio da política e interesses dos EUA e do Brasil assegurar-lhe essa liberdade. O Brasil sofre pela falta de mão-de-obra. Quatro milhões de negros preparados para o trabalho, cada um valendo o equivalente a três africanos nativos, estão suspirando por liberdade e prontos para comprá-la no solo congenial do Brasil e sob as leis e instituições liberais brasileiras.” Afinal, continua Webb, “a Constituição do Brasil reconhece como iguais os negros dos homens brancos e igualmente elegíveis com ele aos mais altos cargos do Império, onde a distinção social entre as raças branca e negra, que já existiu, está quase erradicada”. O projeto, assegurava, era filantrópico.

A base seria uma concessão ao governo brasileiro do direito de exclusividade de trazer para o Brasil colonos, africanos ou afro-descendentes, emancipados ou em via de o ser. O nome da proposta indica o sentido real: concessão ao general James W. Webb, que teria esse privilégio mantido por 20 anos. “As pessoas a serem introduzidas pelo concessionário e seus associados serão chamadas de ‘aprendizes’: seu trabalho por um período de cinco anos e um mês do dia do seu desembarque no Brasil será propriedade do concessionário”, afirmava o contrato de concessão. “Em vez de libertar o escravo imediatamente, ele será preparado para gozar de sua liberdade e, ao mesmo tempo, pagar por seu ensino, pelo custo de seu transporte e por sua futura moradia”, observava Webb na proposta. “Há indicações fortes de que havia interesses comerciais no projeto, tanto de Webb como de brasileiros, interessados em lucrar com a administração de uma companhia de imigração, nos moldes lucrativos das companhias de colonização na África, como a que gerou a Freetown, em Serra Leoa, em fins do século XVIII, por abolicionistas ingleses, com o objetivo de desembarcar africanos apreendidos em tráfico ilegal, ou a compra do território da Libéria pela American Colonization Society, nos anos 1820”, avalia Maria Helena. “O dedo de Deus aponta para as províncias do Norte do Brasil como o futuro lar dos escravos libertos dos EUA. O Brasil e o negro liberto irão ambos se beneficiar na mesma medida: um tratado entre os EUA e o Brasil, pelo qual todos os negros libertos dos EUA lá sejam agraciados com terras pelo governo do Brasil e ao término dos anos estabelecidos se tornem cidadãos brasileiros com todos os direitos e privilégios da população negra do Império”, argumentava Webb.
DIPLOMACIA
O dia em que o Brasil disse Não aos Estados Unidos
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009
(Página 4 de 6)
© REPRODUÇÃO


A Amazônia brasileira nos tempos da proposta americana de Webb
Reservadamente, o ministro americano até concede que, no caso dos estados do Sul do Brasil, a vinda de imigrantes brancos europeus seria uma solução, mas isso não daria certo na região dos trópicos ao norte. “Estando o tráfico de escravos em seu fim e verificando-se que a colonização da Europa consta em leis imprudentes e egoístas, bem, que sejam humildes os estadistas brasileiros frente às perspectivas que o futuro apresenta. A não ser que as províncias do Sul sejam satisfeitas com trabalhadores de fora, o que só pode ser conseguido com uma mudança nas leis de colonização do Império, as províncias abaixo do Equador perderão seus trabalhadores e o Norte, por causa disso, vai voltar a ser habitado por indígenas e bestas selvagens dos quais tinha sido resgatado com a introdução do trabalho africano”, escreveu Webb, em despacho sigiloso, para o secretário de Estado Seward. Mas não apenas a União olhava para o Brasil como uma válvula de escape capaz de resolver os problemas que se avizinhavam com a abolição generalizada dos africanos, resultado do avanço da guerra. Os estados confederados já cogitavam esse movimento muito antes de Lincoln, em especial a partir de outro projeto polêmico, desenvolvido em finais da década de 1840 pelo tenente sulista Matthew Fontaine Maury, estudioso das correntes marítimas, inventor do telégrafo submarino e do torpedo fluvial, que seria usado pelos confederados, para os quais ele era um ídolo da estatura de Robert E. Lee, durante a Guerra Civil. “Maury propunha, sob a capa da discussão sobre a livre navegação do Amazonas, a imigração em massa dos plantadores de algodão sulistas e seus escravos para o vale amazônico, ou ainda a imigração forçada dos escravos, tornando-se a Amazônia a válvula de segurança dos EUA”, afirma Maria Helena.

Segundo a pesquisadora, prevendo a possibilidade de confronto entre Norte e Sul e as ameaças de perda do controle da situação que poderiam surgir com uma “guerra de raças”, Maury preconizava a transferência dos negros, capitaneada pelos sulistas, para o Brasil. “Não estou querendo transformar um território livre em escravista ou introduzir a escravidão onde ela não existe. O Brasil é um país tanto quanto o é a Virgínia. Sei que você se alegraria ao despertar um dia e afirmar que não existe mais escravidão na Virgínia. Isso sem tirar as correntes de um só braço, nem levar nenhum escravo à liberdade”, escreveu Maury. “Havia a questão da representação política. Os confederados colocaram a Amazônia no contexto da visão da liderança sulista, que acreditava ser necessário expandir a escravidão para um novo território para que aquela liderança continuasse a existir. Os confederados viam a escravidão como algo permanente e necessário ao seu modo de vida e estavam dispostos a derramar quanto sangue fosse preciso para impedir a abolição”, avalia Barbara Weinstein. “Só assim se pode entender a amplitude das propostas de Maury, que se convenceu de que o cenário privilegiado dos interesses sulistas estava na Amazônia. A medida que novos estados eram incorporados à União e a população dos estados não-escravistas crescia, o Sul viu-se ameaçado em sua representatividade. Expandir e anexar outras territórios era uma forma de equilibrar as forças políticas”, completa Maria Helena. “No momento em que os confederados resolveram se separar dos EUA, muitos se preocuparam em como vencer um Norte industrializado e mais populoso. O Deep South (o Sul profundo) aos poucos foi se convencendo de que teria que fazer uma aliança com o Brasil, o Deepest South (o Sul mais profundo) para sobreviver e assegurar que a escravidão seria mantida naquele hemisfério. Para figuras como Maury, o Brasil era não apenas a esperança de vencer a Guerra Civil, mas também um refúgio ideal em caso de derrota. Era o chamado slave imperialism, o imperialismo escravista”, afirma o brasilianista Gerald Horne, catedrático em história afro-americana da Universidade de Houston.
















O dia em que o Brasil disse Não aos Estados Unidos
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009
(Página 5 de 6)
Para tanto, tomar a Amazônia era uma necessidade e mesmo um dever, parte do “destino manifesto”: “Quem vai povoar o vale do poderoso Amazonas? Aquele povo imbecil e indolente ou ele será desenvolvido por uma raça com energia e engenhosidade capaz de domar a floresta e trazer à tona os recursos que jazem ali?”, perguntava-se Maury em carta ao cunhado William Herndon, encarregado pela Marinha dos EUA de explorar a área sem nenhuma permissão do governo brasileiro. “Creio que o Brasil não vai colocar obstáculo ao povoamento da região por cidadãos americanos que escolherem ir para lá com seus escravos. Assim como o vale do Mississippi foi a válvula de escape para os escravos do Norte, agora livres, o Amazonas será para aqueles escravos do Mississippi”, acreditava o militar confederado. O estabelecimento de uma “República do Amazonas” seria o ápice da expansão sulista sobre o Brasil, a ponto de o abolicionista negro Frederick Douglass confessar sentir-se alarmado com esses planos amazônicos que, segundo ele, “tinham sido iniciados por capitalistas de nossas metrópoles e por meio de expedições ao Brasil, país com que, sem sucesso, eles tentam estabelecer um tratado para a proteção e propagação da escravidão no continente”. “Para os confederados era necessária a combinação entre as duas grandes nações escravistas da América, uma forma de resistência à pressão abolicionista do resto do mundo”, nota Horne. Seward, por meio de Webb, por várias vezes repreendeu o Brasil por sua suposta colaboração com embarcações sulistas que desembarcavam no Rio e em Salvador, bem como temia que o Império reconhecesse oficialmente os estados confederados.

Foi justamente o projeto de um “imperialismo escravista” da absorção do Deepest South, como o preconizado por Maury na década de 1850, que, em 1862, jogou um balde de água fria na proposta semelhante feita por Webb. “Foi necessária a cruzada de Maury para que o Brasil saísse do seu imobilismo e se dispusesse a enfrentar a questão da navegação do Amazonas. Em 1851, o governo imperial já cuidava de se entender com os estados ribeirinhos do Amazonas e seus afluentes, para uma futura política de limites de navegação e proteção do Amazonas”, explica Nícia Vilela em seu A Amazônia para os negros americanos. Assim, apenas em 1867 é que o Brasil se sentiu à vontade, dado o novo quadro estável de relações interamericanas, para abrir o Amazonas para a navegação internacional. “A reação brasileira ao projeto de Webb desenhou-se, em verdade, a partir da pressão da proposta de Maury, uma década antes. Enquanto o americano, nos EUA, propagandeava as vantagens de se ocupar o vale amazônico e as riquezas que seriam geradas pela livre navegação do rio, o Brasil começou a fazer esforços diplomáticos e políticos brutais para segurar o avanço norte-americano sobre a soberania do Império”, nota Maria Helena. Logo, não deveria ter causado surpresa a Webb a negativa do governo brasileiro.
"General: tive o prazer de ler com a máxima atenção os documentos que me confiou e agora lhe dou retorno em relação ao seu plano de introdução de negros libertos no Brasil. Devo admitir que o objetivo em si é altamente interessante. É minha opinião pessoal que suas ideias merecem consideração e que muitas delas, em circunstâncias favoráveis, seriam de grande utilidade. No entanto, nada dessa ordem poderá ser tentada em nosso país, pois temos uma lei que impede expressamente a entrada de qualquer negro liberto em nossas fronteiras. Encaminho a lei para seu conhecimento. Renovo meus votos de apreço e estima. Abrantes.” O projeto foi arquivado. “A elite política brasileira já estava focada na atração de imigrantes brancos europeus para o Brasil: planos de imigração e colonização estavam totalmente orientados no sentido do ‘branqueamento’ da população brasileira, e mesmo propostas para trazer trabalhadores chineses falhou porque o Parlamento não aceitou a vinda de ‘não-brancos’”, analisa Barbara. “Havia também o desejo de proteger a Amazônia de intrusões comerciais estrangeiras, especialmente num momento em que o comércio de borracha se firmou como uma fonte de divisas significativas. Até se pensou em criar colônias agrícolas no Pará nessa época, mas seriam para brancos europeus.” Do lado americano, a rejeição brasileira incentivava cautela.
O dia em que o Brasil disse Não aos Estados Unidos
Edição Impressa 156 - Fevereiro 2009
(Página 6 de 6)
“Você pensa que avista o dedo de Deus apontando para as províncias do Norte do Brasil como a terra de promessas, descanso e reparação dos escravos dos estados do Sul desta República e pede ao presidente poder para negociar um tratado para efetivar a remoção de tais homens. O presidente não pode, sem consideração adicional, atender a este pedido”, escreveu Seward em carta aberta a Webb, publicada no The New York Times. “O presidente, embora negando conceder a você, no momento, a autoridade que você solicita, convida-o para a continuação das suas discussões, a partir da importante posição que você ocupa em um país de condição tão sugestiva para o pensamento liberal.” Secretário de Estado e presidente pareciam não falar a mesma língua (basta lembrar que Seward foi preterido pelo Partido Republicano por Lincoln para concorrer à Presidência): “Eu declino de mudar a colônia de negros libertos para qualquer Estado sem antes obter o consentimento do seu governo. Ao mesmo tempo, ofereci aos vários Estados situados abaixo dos trópicos, ou tendo colônias nestes lugares, para negociar com os EUA, sujeito ao consentimento do Senado, em prol da emigração voluntária de pessoas daquela classe para os seus respectivos territórios, com a condição de que sejam recebidas de forma justa e humana. Lamento dizer que muitos que gostariam de fazer isso não o fazem porque apenas Libéria e Haiti estão disponíveis e as pessoas não estão tão interessadas em ir para esses lugares tanto quanto para outros”, afirmou Lincoln em seu State of the Union, deixando claro que ainda tinha esperanças em ver concretizada a deportação voluntária.
“O senhor Seward falou bastante sobre a questão da emigração da população negra. Homens de peso, entre eles o presidente Lincoln, acreditavam que a melhor coisa para ambas as raças era a separação e a conservação do Norte apenas para os brancos. Mas membros do Partido da Emancipação eram contra essa remoção, pois não consideravam sábio abrir mão de tantos músculos e braços e se era prudente entregar esse poder para nações que não necessariamente serão sempre amigas dos EUA”, escreveu Lord Lyons, ministro da Inglaterra baseado em Washington, para seus superiores, relatando uma conversa que tivera com o secretário de Estado poucos dias antes da proclamação da emancipação. “Lincoln, no entanto, presidiu uma nação em guerra violenta e precisava de apoio do exterior e, assim, a última coisa que desejava era se envolver num conflito com uma nação estrangeira. Qualquer interesse que tivesse no projeto ou no Amazonas era menor se comparado com a sua necessidade de manter boas relações diplomáticas com o Brasil”, analisa Barbara. “Uma razão para que os negros americanos permanecessem no Norte foi por causa da relutância de algumas nações, em especial o Brasil, de recebê-los em meio a uma Guerra Civil, da mesma forma que a simpatia desse país pelos estados confederados foi fundamental para os rebeldes”, acredita Horne. Isso foi determinante na vinda, após a guerra, de ex-confederados ao Brasil.

“Muitos emigraram e até tentaram trazer seus escravos (alguns até conseguiram), pois queriam viver num país onde o escravismo permanecia. A maioria se desencantou e voltou, mas muitos ficaram e fundaram comunidades. Alguns até pensaram em usar o Brasil como plataforma para construir um novo império escravagista e reverter o resultado da guerra”, diz Horne. Mas o dedo de Deus agora estava nas mãos do Norte.
http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3789&bd=1&pg=6&lg=

SLAVE FAMILY AND WORK

SLAVE FAMILY AND WORK


PRESENTATION

This paper is a summary and reflection on the work of Robert W.Slen and Sheila de Castro Faria, which deepened the discussion in Brazil on the establishment of the slave family during the slavery period in Brazil. Robert is professor of History at UNICAMP, andSheila is a professor of History of FFU. The foregoing summaryhas been widely discussed here at the Second Story UFF, entitled"Slave Family and Work. " In particular this was the question of culture, genetics, religious and geographical influence theformation of families of slaves in this period. The researchers whodiscussed the issue sought to bring historical evidence that emitlight in the past and show how families lived as slaves and werethe arrangement of marriages between them.





ABSTRACT


Roger Bastide was a Brazilian historians who argued that the historical view of black slaves in Brazil could hardly raise a family in the traditional models with father, mother and children by creating bonds of family. Forestan Fernandes, another supporter of this line of interpretation also believed that the slaves on his master saw the figure of the Father, therefore, was a different notion of the traditional family.

These historians have followed the current concept of its time (1950 and 1960), at which time the North American historiographical trends thus interpreted the concept of family slaves. In the 1970's onwards, other thinkers, as Katya Matosso not had the same vision of his predecessors and believed that the slaves had been yes, free will, even if a prisoner and body were able to remain in peace, provided they could have family ties in the slave quarters.

Research has shown, mainly in the axis of Oeste Paulista, in the period of slavery, slaves had stable families, especially on big property. Not being accepted as a credible vision of Bastide.

In the late nineteenth century, formal marriages of slaves are falling, perhaps as a sign of the end times slavery. It should be noted that formal marriages are those who were duly registered by the competent bodies, in this case registries and the churches.Already consensual marriages are those from an informal agreement of the parties who agreed to live together.

Another relevant issue in the family is that slavery in regions where the slaves were being regardless of family unity was maintained more frequently than in regions where there was traffic in black and exporting labor-slave labor. In the late nineteenth century the Brazilian Northeast and the farmlands of Virginia in the United States were less breathless and his economic slaves were being transferred to other areas. In Brazil, the south began to get more slaves and the U.S. state of Louissiana longer resembled the state of Sao Paulo in this aspect.

Florentino Fernandes and raised two totally divergent and credible hypotheses: Florestan believed that destroying the family, the slave, without reference would refer more easily to captivity for not having a reason and a principle to fight for. Florentino, already saw it differently. Believing that you encourage the formation of the family property in slaves to become more peaceful and connected with the property because there is reference to your life, your family. Thus the slave who has a family becomes hostage to his master, because it means leaving escape slavery, but also let your loved ones behind.

Other observations can also be made on the constitution of the slave family in Brazil, one is with respect to ethnic groups of Bantu and Nago. The latter, more numerous in Bahia, would be one of the reasons, according to some scholars, they are the centers of major conflicts, have a nature more averse to slavery. While the Bantu, who were most of the Southeast were more likely to accept the harsh conditions of life. There was also stress that the city caused this relationship work and family life of slaves. On farms, the slaves were closer to his family, in the city, many were available in slaves and were hired, getting more time away from their families, increasing social tension.

Since the 1990s have been seen more academic work aimed at finding these families of slaves through the historical records.Studies on the family of slaves in Brazil also showed surprising number of marriages between people of different ages, young blacks often intermarried with slaves who were already in menopause. Slaves older, probably because of better conditions sought to marry new slaves, and these in turn wanted such facilities that could pose a quieter life and freedom in certain cases, in the case of black buy his own freedom, and the slave older could have joined afford it. Endogamous marriages (where the parties had at least one parent in common) was another characteristic of the family of slaves.

Many questions are unanswered in the past of slavery, the data we have today are mostly the slaves of the nineteenth century. Prior to this date, people had no interest in recording the lives of blacks, who were seen as things, objects. Even in the eighteenth and nineteenth century, already close to our age, there were few records of marriages legal notices by parishes, which shows the indifference towards the social figure of the black man.




FINAL



In Paraibuna, São Paulo, in the nineteenth century, a slave can not accept the conditions proposed in his marriage officiated by the church, searched for her Mr. Luis Marinho Tolosa and with the helpof the great influences in contemporary society and the church, gotan unprecedented The annulment of the marriage of a slave.Caetana, slave, preferred the freedom of being a slave respectedthan humiliating life of a free man. In the history of slavery there onlypain and suffering. There are many accounts of respect for human dignity, despite the inferior condition of the slave workers. The worst thing we see at this stage of the Brazilian story is thatfamilies of slaves were liable to be undone by a mere convenience of the gentleman who could sell them to various lords and the breakdown in family and kinship ties, by a mere whim of its owner.Unfortunately in a world where economic values have always spoken louder, is not difficult to imagine how these atrocities haveoccurred frequently.








































REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



GRAHAM, Sandra Lauderadale – “Caetana diz não”: histórias de mulheres da sociedade escravista brasileira, tradução Pedro Maia Soares, Ed. Cia das Letras, SP

Rosalina Rocha Araújo Morais, disponível em http://www.infoescola.com/sociologia/casamento/, acesso em 11/04/2011

http://pt.scribd.com/doc/19502759/Endogamia, acesso em 11/04/2011

Monday, February 21, 2011

BRAZIL GOLDEN LAW

GOLDEN LAW



Law No. 3353 of May 13, 1888.

DECLARES EXTINCT SLAVERY IN BRAZIL


THE PRINCESS IMPERIAL Ruling on Behalf of His Majesty the Emperor
Mr D. Pedro II, makes known to all subjects of the Empire that the Assembly
General decreed and sanctioned the Law It follows:
Article 1 - It is declared extinct since the date hereof slavery in Brazil.
Article 2 - Revokes the context otherwise requires.
Send therefore to all authorities to whom the knowledge and implementation
belong to that Act, that comply with and enforce and save
as fully as if it contains.
The Secretary of State for Foreign d'Agriculture, Commerce and Public Works
Acting Foreign Affairs and Bachelor Rodrigo Augusto da
Silva of the Council of His Majesty the Emperor, please print, publish
and run.
In the Palace of Rio de Janeiro, 13 May 1888 - 67th Independence
and the Empire.
Letter of the Law, by which Your Imperial Highness the decree orders the implementation
General Assembly that there was a sanction and declare extinct
Slavery in Brazil, as it is declared.
To see Imperial Highness.